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01 julho 2012

ALBERT EINSTEIN - RELIGIOSO OU CIENTISTA?

SOBRE A LIBERDADE
Por Albert Einstein

Sei que é inútil tentar discutir os juízos de valores fundamentais. Se alguém aprova como meta, por exemplo, a eliminação da espécie humana da face da Terra, não se pode refutar esse ponto de vista em bases racionais. Se houver, porém concordância quanto a certas metas e valores é possível discutir racionalmente os meios pelos quais esses objetivos podem ser atingidos. Indiquemos, portanto, duas metas com que certamente estarão de acordo quase todos os que leem estas linhas.
1. Os bens instrumentais que servem para preservar a vida e a saúde de todos os seres humanos devem ser produzidos mediante o menor esforço possível de todos.
2. A satisfação de necessidades físicas é por certo a precondição indispensável de uma existência satisfatória, mas em si mesma não é suficiente. Para se realizar, os homens precisam ter também a possibilidade de desenvolver suas capacidades intelectuais artísticas sem limites restritivos, segundo suas características e aptidões pessoais.
A primeira dessas duas metas exige a promoção de todo conhecimento referente às leis da natureza e dos processos sociais, isto é, a promoção de todo esforço científico. Pois o empreendimento científico é um todo natural, cujas partes se sustentam mutuamente de uma maneira que certamente ninguém pode prever.
Entretanto, o progresso da ciência pressupõe a possibilidade de comunicação irrestrita de rodos os resultados e julgamentos - liberdade de expressão e ensino em todos os campos do esforço intelectual. Por liberdade, entendo condições sociais, tais que, a expressão de opiniões e afirmações sobre questões gerais e particulares do conhecimento não envolvam perigos ou graves desvantagens para seu autor. Essa liberdade de comunicação é indispensável para o desenvolvimento e a ampliação do conhecimento científico, aspecto de grande importância prática. Em primeiro lugar, ela deve ser assegurada por lei. Mas as leis por si mesmas não podem assegurar a liberdade de expressão; para que todo homem possa expor suas ideias sem ser punido, deve haver um espírito de tolerância em toda a população. Tal ideal de liberdade externa jamais poderá ser plenamente atingido, mas deve ser incansavelmente perseguido para que o pensamento científico e o pensamento filosófico, e criativo em geral, possam avançar tanto quanto possível.
Para que a segunda meta, isto é, a possibilidade de desenvolvimento espiritual de todos os indivíduos, possa ser assegurada, é necessário um segundo tipo de liberdade externa. O homem não deve ser obrigado a trabalhar para suprir as necessidades da vida numa intensidade tal que não lhe restem tempo nem forças para as atividades pessoais. Sem este segundo tipo de liberdade externa, a liberdade de expressão é inútil para ele. Avanços na tecnologia tornariam possível esse tipo de liberdade, se o problema de uma divisão justa do trabalho fosse resolvido.
O desenvolvimento da ciência e das atividades criativas do espírito em geral exige ainda outro tipo de liberdade, que pode ser caracterizado como liberdade interna. Trata-se daquela liberdade de espírito que consiste na independência do pensamento em face das restrições de preconceitos autoritários e sociais, bem como, da "rotinização" e do hábito irrefletidos em geral. Essa liberdade interna é um raro dom da natureza e uma valiosa meta para o indivíduo. No entanto, a comunidade pode fazer muito para favorecer essa conquista, pelo menos, deixando de interferir no desenvolvimento. As escolas, por exemplo, podem interferir no desenvolvimento da liberdade interna mediante influências autoritárias e a imposição de cargas espirituais aos jovens excessivas; por outro lado, as escolas podem favorecer essa liberdade, incentivando o pensamento independente. Só quando a liberdade externa e interna são constantes e conscienciosamente perseguidas há possibilidade de desenvolvimento e aperfeiçoamento espiritual e, portanto, de aprimorar a vida externa e interna do homem.
Albert Einstein
Ciência e Religião
Parte I

Durante o século passado e em parte do que o precedeu, a existência de um conflito insolúvel entre conhecimento e crença foi amplamente sustentada. Prevalecia entre mentes avançadas a opinião de que chegara a hora de substituir, cada vez mais, a crença pelo conhecimento; toda crença que não se fundasse ela própria em conhecimento era superstição e, como tal, devia ser combatida. Segundo essa concepção, a função exclusiva da educação seria abrir caminho para o pensamento e o conhecimento, devendo a escola, como o órgão por excelência para a educação do povo, servir exclusivamente a esse fim.
É provável que raramente, ou mesmo nunca, possamos encontrar o ponto de vista racionalista expresso com tanta crueza; pois todo homem sensível veria de imediato o quanto essa formulação é tendenciosa. Mas é conveniente formular uma tese de maneira nua e crua quando se quer aclarar a própria mente com relação a sua natureza.
É verdade que a experiência e o pensamento claro são a melhor maneira de fundamentar as convicções. Quanto a isto, podemos concordar irrestritamente com o racionalista extremado. O ponto fraco dessa concepção, contudo, e que as convicções necessárias e determinantes para nossa conduta e nossos juízos não podem ser encontradas unicamente nessa sólida via cientifica.
Pois o método cientifico não nos pode ensinar outra coisa além do modo como os fatos se relacionam e são condicionados uns pelos outros. A aspiração a esse conhecimento objetivo está entre as mais elevadas de que o homem e capaz, e certamente ninguém pode suspeitar que eu deseje subestimar as realizações e os heroicos esforços do homem nessa esfera.
É igualmente claro, no entanto, que o conhecimento do que é, não abre diretamente a porta para o que deve ser. Podemos ter o mais claro e completo conhecimento do que é, sem contudo sermos capazes de deduzir disso qual deveria ser a meta de nossas aspirações humanas. O conhecimento objetivo nos fornece poderosos instrumentos para atingir certos fins, mas a meta final em si é a mesma, e o desejo de atingi-la devem emanar de outra fonte. E é praticamente desnecessário defender a ideia de que nossa existência e nossa atividade só adquirem 'sentido' mediante o estabelecimento de uma meta como essa e dos valores correspondentes. O conhecimento da verdade como tal é maravilhoso, mas é tão pouco capaz de servir de guia que não consegue provar sequer a justificação e o valor da aspiração a esse mesmo conhecimento da verdade.
Aqui defrontamos, portanto, com os limites da concepção puramente racional de nossa existência.
Mas não se deve presumir que o pensamento inteligente não possa desempenhar nenhum papel na formação da meta e de juízos éticos. Quando alguém se dá conta de que certo meio seria útil para a consecução de um fim, isto faz com que o próprio meio se torne um fim. A inteligência elucida para nós a inter-relação entre meios e fins. O mero pensamento não pode, contudo, nos dar uma consciência dos fins últimos e fundamentais. Elucidar esses fins e valores fundamentais é engastá-los firmemente na vida emocional do indivíduo; parece-me, precisamente, a mais importante função que a religião tem a desempenhar na vida social do homem. E se alguém pergunta de onde provém a autoridade desses fins fundamentais, já que eles não podem ser formulados e justificados puramente pela razão, só há uma resposta: eles existem numa sociedade saudável na forma de tradições vigorosas, que agem sobre a conduta, as aspirações e os juízos dos indivíduos; eles existem, isto é, vivem dentro dela, sem que seja preciso encontrar justificação para sua existência. Nascem, não através da demonstração, mas da revelação, por meio de personalidades excepcionais. Não se deve tentar justificá-los, mas antes, sentir, simples e claramente, sua natureza. Os mais elevados princípios para nossas aspirações e juízos nos são dados pela tradição religiosa judaico-cristã. Trata-se de uma meta muito elevada, que, com nossos parcos poderes, só podemos atingir de maneira muito insatisfatória, mas que da um sólido fundamento a nossas aspirações e avaliações. Se quiséssemos tirar essa meta de sua forma religiosa e considerar apenas seu aspecto puramente humano, talvez pudéssemos formulá-la assim: desenvolvimento livre e responsável do indivíduo, de modo que ele possa por suas capacidades, com liberdade e alegria a serviço de toda a humanidade.
Não há lugar nisso para a divinização de uma nação, de uma classe, nem muito menos de um indivíduo. Não somos todos filhos de um só pai, como se diz na linguagem religiosa? Na verdade, mesmo a divinização da humanidade, como totalidade abstrata, não estaria no espírito desse ideal. E somente ao indivíduo que é dada uma alma. E o 'sublime' destino do indivíduo é antes servir que comandar, ou impor-se de qualquer outra maneira.
Se considerarmos mais a substância que a forma, poderemos ver também nestas palavras a expressão da postura democrática fundamental. Ao verdadeiro democrata e tão inviável idolatrar sua nação quanto ao homem religioso, no sentido que damos ao termo.
Qual será então, em tudo isto, a função da educação e da escola? Elas devem ajudar o jovem a crescer num espírito tal que esses princípios fundamentais sejam para ele como o ar que respira. O mero ensino não pode fazer isso.
Se mantemos esses princípios elevados claramente diante de nossos olhos, e os comparamos com a vida e o espírito de nosso tempo, revela-se flagrantemente que a própria humanidade civilizada encontra-se, neste momento, em grave perigo. Nos Estados totalitários, são os próprios governantes que se empenham hoje em destruir esse espírito de humanidade. Em lugares menos ameaçados, são o nacionalismo e a intolerância, bem com a opressão dos indivíduos por meios econômicos, que ameaçam sufocar essas tão preciosas tradições.
A clareza da enormidade do perigo está se difundindo, no entanto, entre as pessoas que pensam, e há uma grande procura de meios que permitam enfrentar o perigo - meios no campo da política nacional e internacional, da legislação, da organização em geral. Esses esforços são, sem dúvida, extremamente necessários. Contudo, os antigos sabiam algo que parecemos ter esquecido. "Todos os meios mostram-se um instrumento grosseiro quando não tem atrás de si um espírito vivo". Se o desejo de alcançar a meta estiver vigorosamente vivo dentro de nós, porém, não nos faltarão forças para encontrar os meios de alcançar a meta e traduzi-la em atos.

Parte II

Não seria difícil chegar a um acordo quanto ao que entendemos por ciência. Ciência é o esforço secular de reunir, através do pensamento sistemático, os fenômenos perceptíveis deste mundo, numa associação tão completa quanto possível. Falando claramente, é a tentativa de reconstrução posterior da existência pelo processo da conceituação. Mas, quando pergunto a mim mesmo o que é a religião, a resposta não me ocorre tão facilmente. E, mesmo depois de encontrar uma resposta que possa me satisfazer num momento particular, continuo convencido de que nunca consigo, em nenhuma circunstância, criar um acordo, mesmo que muito limitado, entre todos os que refletem seriamente sobre essa questão.
De início, portanto, em vez de perguntar o que é religião, eu preferiria indagar o que caracteriza as aspirações de uma pessoa que me dá a impressão de ser religiosa: uma pessoa religiosamente esclarecida parece-me ser aquela que, tanto quanto lhe foi possível, libertou-se dos grilhões, de seus desejos egoístas e está preocupada com pensamentos, sentimentos e aspirações a que se apega em razão de seu valor suprapessoal. Parece-me que o que importa é a força desse conteúdo suprapessoal, e a profundidade da convicção na superioridade de seu significado, quer se faça ou não alguma tentativa de unir esse conteúdo com um Ser divino, pois, de outro modo, não poderíamos considerar Buda e Spinoza como personalidades religiosas. Assim, uma pessoa religiosa é devota no sentido de não ter nenhuma dúvida quanto ao valor e eminência dos objetivos e metas suprapessoais que não exigem nem admitem fundamentação racional. Eles existem, tão necessária e corriqueiramente quanto ela própria. Nesse sentido, a religião é o antiquíssimo esforço da humanidade para atingir uma clara e completa consciência desses valores e metas e reforçar e ampliar incessantemente seu efeito. Quando concebemos a religião e a ciência segundo estas definições, um conflito entre elas parece impossível. Pois a ciência pode apenas determinar o que é, não o que deve ser, está fora de seu domínio, todos os tipos de juízos de valor continuam sendo necessários. A religião, por outro lado, lida somente com avaliações do pensamento e da ação humanos: não lhe é lícito falar de fatos e das relações entre os fatos. Segundo esta interpretação, os famosos conflitos ocorridos entre religião e ciência no passado devem ser todos atribuídos a uma apreensão equivocada da situação descrita.
Um conflito surge, por exemplo, quando uma comunidade religiosa insiste na absoluta veracidade de todos os relatos registrados na Bíblia. Isso significa uma intervenção da religião na esfera da ciência; é aí que se insere a luta da Igreja contra as doutrinas de Galileu e Darwin. Por outro lado, representantes da ciência tem constantemente tentado chegar a juízos fundamentais com respeito a valores e fins com base no método científico, pondo-se assim em oposição a religião. Todos esses conflitos nasceram de erros fatais.
Ora, ainda que os âmbitos da religião e da ciência sejam em si claramente separados um do outro, existem entre os dois fortes relações recíprocas e dependências. Embora possa ser ela o que determina a meta, a religião aprendeu com a ciência, no sentido mais amplo, que meios poderão contribuir para que se alcancem as metas que ela estabeleceu. A ciência, porém, só pode ser criada por quem esteja plenamente imbuído da aspiração e verdade, e ao entendimento. A fonte desse sentimento, no entanto, brota na esfera da religião. A esta se liga também a fé na possibilidade de que as regulações válidas para o mundo da existência sejam racionais, isto é, compreensíveis à razão.
Não posso conceber um autêntico cientista sem essa fé profunda. A situação pode ser expressa por uma imagem: a ciência sem religião e aleijada, a religião sem ciência e cega.
Embora eu tenha afirmado acima que um conflito legítimo entre religião e ciência não pode existir verdadeiramente, devo fazer uma ressalva a esta afirmação, mais uma vez, num ponto essencial, com referencia ao conteúdo efetivo das religiões históricas. Esta ressalva tem a ver com o conceito de Deus. Durante o período juvenil da evolução espiritual da humanidade, a fantasia humana criou a sua própria imagem 'deuses' que, por seus atos de vontade, supostamente determinariam ou, pelo menos, influenciariam o mundo fenomênico. O homem procurava alterar a disposição desses deuses a seu próprio favor, por meio da magia e da prece. A ideia de Deus, nas religiões ensinadas atualmente, é uma sublimação dessa antiga concepção dos deuses. Seu caráter antropomórfico se revela, por exemplo, no fato de os homens recorrerem ao Ser Divino em preces, a suplicarem a realização de seus desejos.
Certamente, ninguém negará que a ideia da existência de um Deus pessoal, onipotente, justo e todo-misericordioso é capaz de dar ao homem consolo, ajuda e orientação; e também, em virtude de sua simplicidade, acessível as mentes menos desenvolvidas. Por outro lado, porem, esta ideia traz em si aspectos vulneráveis e decisivos, que se fizeram sentir penosamente desde o início da história. Ou seja, se esse ser é onipotente, então tudo o que acontece, aí incluídos cada ação, cada pensamento, cada sentimento e aspiração do homem, é também obra Sua; nesse caso, como é possível pensar em responsabilizar o homem por seus atos e pensamentos perante esse Ser 'todo-poderoso'? Ao distribuir punições e recompensas, Ele estaria, até certo ponto, julgando a Si mesmo. Como conciliar isso com a bondade e a justiça a Ele atribuídas?
A principal fonte dos conflitos atuais entre as esferas da religião e da ciência reside nesse conceito de um Deus pessoal. A ciência tem por objetivo estabelecer regras gerais que determinem a conexão recíproca de objetos e eventos no tempo e no espaço. A validade absolutamente geral dessas regras, ou leis da natureza, e algo que se pretende - mas não se prova. Trata-se sobretudo de um projeto, e a confiança na possibilidade de sua realização, por princípio, funda-se apenas em sucessos parciais. Seria difícil, porém, encontrar alguém que negasse esses sucessos parciais e os atribuísse a ilusão humana. O fato de sermos capazes, com base nessas leis, de predizer o comportamento temporal dos fenômenos de certos domínios, com grande precisão e certeza, está profundamente enraizado na consciência do homem moderno, ainda que possamos ter apreendido muito pouco do conteúdo dessas leis. Basta considerarmos que as trajetórias planetárias do sistema solar podem ser antecipadamente calculadas, com grande exatidão, com base num número limitado de leis simples. De maneira similar, embora não com a mesma precisão, é possível calcular antecipadamente o modo de funcionamento de um motor elétrico, de um sistema de transmissão ou de um aparelho de rádio, mesmo quando estamos lidando com uma invenção inédita.
É bem verdade que, quando o número de fatores em jogo num complexo fenomenológico é grande demais, o método científico nos decepciona na maioria dos casos. Basta pensarmos nas condições do tempo, cuja previsão, mesmo para alguns dias à frente, é impossível. Ninguém duvida, contudo, de que estamos diante de uma conexão causal cujos componentes causais nos são essencialmente conhecidos. As ocorrências nessa esfera estão fora do alcance da predição exata por causa da multiplicidade de fatores em ação, e não por alguma falta de ordem na natureza.
Penetramos muito menos profundamente nas regularidades que prevalecem no âmbito das coisas vivas, mas o suficiente, de todo modo, para pelo menos perceber a existência de uma regra necessária. Basta pensarmos na ordem sistemática presente na hereditariedade e no efeito que provocam os venenos - como o álcool, por exemplo - no comportamento dos seres orgânicos. O que ainda falta aqui é uma compreensão de caráter profundamente geral das conexões, não um conhecimento da ordem enquanto tal.
Quanto mais o homem esta imbuído da regularidade ordenada de todos os eventos, mais firme se torna sua convicção de que não sobra lugar, ao lado dessa regularidade ordenada, para causas de natureza diferente. Para ele, nem o domínio da vontade humana, nem o da vontade divina existirão como causa independente dos eventos naturais. Não há dúvida de que a doutrina de um Deus pessoal que interfere nos eventos naturais jamais poderia ser refratada, no sentido verdadeiro, pela ciência, pois essa doutrina pode sempre procurar refúgio nos campos em que o conhecimento científico ainda não foi capaz de se firmar. Estou convencido, porém, de que tal comportamento por parte dos representantes da religião seria não só indigno como desastroso. Pois uma doutrina que não é capaz de se sustentar à "plena luz", mas apenas na escuridão, está fadada a perder sua influência sobre a humanidade, com incalculável prejuízo para o progresso humano. Em sua luta pelo bem ético, os professores de religião precisam ter a envergadura para abrir mão da doutrina de um Deus pessoal, isto é, renunciar a fonte de medo e esperança que, no passado, concentrou um poder tão amplo nas mãos dos sacerdotes. Em seu ofício, terão de se valer daqueles forças que são capazes de cultivar o Bom, o Verdadeiro e o Belo na própria humanidade. Trata-se, sem dúvida, de uma tarefa mais difícil, mas incomparavelmente mais valiosa. Quando tiverem realizado esse processo de depuração, os professores da religião certamente hão de reconhecer com alegria que a verdadeira religião ficou enobrecida e mais profunda graças ao conhecimento científico.
Se um dos objetivos da religião é libertar a humanidade, tanto quanto possível, da servidão dos anseios, desejos e temores egocêntricos, o raciocínio científico pode ajudar a religião em mais um sentido. Embora seja verdade que a meta da ciência é descobrir regras que permitam associar e prever os fatos, essa não é sua única finalidade. Ela procura também reduzir as conexões descobertas ao menor número possível de elementos conceituais mutuamente independentes.
E nessa busca da unificação racional do múltiplo que a ciência logra seus maiores êxitos, embora seja precisamente essa tentativa que a faz correr os maiores riscos de se tornar uma presa das ilusões. Mas todo aquele que experimentou intensamente os avanços bem-sucedidos feitos nesse domínio é movido por uma profunda reverência pela racionalidade que se manifesta na existência. Através da compreensão, ele conquista uma emancipação de amplas consequências dos grilhões das esperanças e desejos pessoais, atingindo assim uma atitude mental de humildade perante a grandeza da razão que se encarna na existência e que, em seus recônditos mais profundos, é inacessível ao homem. Essa atitude, contudo, parece-me ser religiosa, no mais elevado sentido da palavra. A meu ver, portanto, a ciência não só purifica o impulso religioso do entulho de seu antropomorfismo, como contribui para uma 'espiritualização' religiosa de nossa compreensão da vida.
Quanto mais avança a evolução espiritual da humanidade, mais certo me parece que o caminho para a religiosidade genuína não passa pelo medo da vida, nem pelo medo da morte, ou pela fé cega, mas pelo esforço em busca do conhecimento racional.
Neste sentido, acredito que o sacerdote, se quiser fazer jus a sua 'sublime' missão educacional, deve tornar-se um professor.
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"Ciência e Religião" (1939-1941) - Págs. 25 a 34. Einstein, Albert, 1870-1955 Título original: "Out of my later years." Escritos da Maturidade: artigos sobre ciência, educação, relações sociais, racismo, ciências sociais e religião. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges - Rio de Janeiro : Editora Nova Fronteira, 1994.

28 maio 2012

A FILOSOFIA ENTRE A RELIGIÃO E A CIÊNCIA


Bertrand Russel

Os conceitos da vida e do mundo que chamamos "filosóficos" são produto de dois fatores: um, constituído de fatores religiosos e éticos herdados; o outro, pela espécie de investigação que podemos denominar "científica", empregando a palavra em seu sentido mais amplo. Os filósofos, individualmente, têm diferido amplamente quanto às proporções em que esses dois fatores entraram em seu sistema, mas é a presença de ambos que, em certo grau, caracteriza a filosofia.

"Filosofia" é uma palavra que tem sido empregada de várias maneiras, umas mais amplas, outras mais restritas. Pretendo empregá-la em seu sentido mais amplo, como procurarei explicar adiante. A filosofia, conforme entendo a palavra, é algo intermediário entre a teologia e a ciência. Como a teologia, consiste de especulações sobre assuntos a que o conhecimento exato não conseguiu até agora chegar, mas, como ciência, apela mais à razão humana do que à autoridade, seja esta a da tradição ou a da revelação. Todo conhecimento definido - eu o afirmaria - pertence à ciência; e todo dogma quanto ao que ultrapassa o conhecimento definido, pertence à teologia. Mas entre a teologia e a ciência existe uma Terra de Ninguém, exposta aos ataques de ambos os campos: essa Terra de Ninguém é a filosofia. Quase todas as questões do máximo interesse para os espíritos especulativos são de tal índole que a ciência não as pode responder, e as respostas confiantes dos teólogos já não nos parecem tão convincentes como o eram nos séculos passados. Acha-se o mundo dividido em espírito e matéria? E, supondo-se que assim seja, que é espírito e que é matéria? Acha-se o espírito sujeito à matéria, ou é ele dotado de forças independentes? Possui o universo alguma unidade ou propósito?

Está ele evoluindo rumo a alguma finalidade? Existem realmente leis da natureza, ou acreditamos nelas devido unicamente ao nosso amor inato pela ordem? é o homem o que ele parece ser ao astrônomo, isto é, um minúsculo conjunto de carbono e água a rastejar, impotentemente, sobre um pequeno planeta sem importância? Ou é ele o que parece ser a Hamlet? Acaso é ele, ao mesmo tempo, ambas as coisas? Existe uma maneira de viver que seja nobre e uma outra que seja baixa, ou todas as maneiras de viver são simplesmente inúteis? Se há um modo de vida nobre, em que consiste ele, e de que maneira realizá-lo? Deve o bem ser eterno, para merecer o valor que lhe atribuímos, ou vale a pena procurá-lo, mesmo que o universo se mova, inexoravelmente, para a morte? Existe a sabedoria, ou aquilo que nos parece tal não passa do último refinamento da loucura Tais questões não encontram resposta no laboratório.

As teologias têm pretendido dar respostas, todas elas demasiado concludentes, mas a sua própria segurança faz com que o espírito moderno as encare com suspeita. O estudo de tais questões, mesmo que não se resolva esses problemas, constitui o empenho da filosofia.

Mas por que, então, - poderíeis perguntar - perder tempo com problemas tão insolúveis? A isto, poder-se-ia responder como historiador ou como indivíduo que enfrenta o terror da solidão cósmica. A resposta do historiador, tanto quanto me é possível dá-la, aparecerá no decurso desta obra. Desde que o homem se tornou capaz de livre especulação, suas ações, em muitos aspectos importantes, têm dependido de teorias relativas ao mundo e á vi a humana, relativas ao bem e ao mal. Isto é tão verdadeiro em nossos dias como em qualquer época anterior. Para compreender uma época ou uma nação, devemos compreender sua filosofia e, para que compreendamos sua filosofia, temos de ser, até certo ponto, filósofos. Há uma relação causal recíproca. As circunstâncias das vidas humanas contribuem muito para determinar a sua filosofia, mas, inversamente, sua filosofia muito contribui para determinar tais circunstâncias. Essa ação mútua, através dos séculos, será o tema das páginas seguintes.

Há, todavia, uma resposta mais pessoal. A ciência diz-nos o que podemos saber, mas o que podemos saber é muito pouco e, se esquecemos quanto nos é impossível saber, tornamo-nos insensíveis a muitas coisas sumamente importantes. A teologia, por outro lado, nos induz â crença dogmática de que temos conhecimento de coisas que, na realidade, ignoramos e, por isso, gera uma espécie de insolência impertinente com respeito ao universo. A incerteza, na presença de grandes esperanças e receios, é dolorosa, mas temos de suportá-la, se quisermos viver sem o apoio de confortadores contos de fadas, Não devemos também esquecer as questões suscitadas pela filosofia, ou persuadir-nos de que encontramos, para as mesmas, respostas indubitáveis.

Ensinar a viver sem essa segurança e sem que se fique, não obstante, paralisado pela hesitação, é talvez a coisa principal que a filosofia, em nossa época, pode proporcionar àqueles que a estudam.

A filosofia, ao contrário do que ocorreu com a teologia , surgiu, na Grécia, no século VI antes de Cristo. Depois de seguir o seu curso na antigüidade, foi de novo submersa pela teologia quando surgiu o Cristianismo e Roma se desmoronou. Seu segundo período importante, do século YI ao século XIV, foi dominado pela Igreja Católica, com exceção de alguns poucos e grandes rebeldes, como, por exemplo, o imperador Frederico II (1195-1250).

Este período terminou com as perturbações que culminaram na Reforma. O terceiro período, desde o século XVII até hoje, é dominado, mais do que os períodos que o precederam, pela ciência. As crenças religiosas tradicionais mantêm sua importância, mas se sente a necessidade de que sejam justificadas, sendo modificadas sempre que a ciência torna imperativo tal passo. Poucos filósofos deste período são ortodoxos do ponto de vista católico, e o Estado secular adquire mais importância em suas especulações do que a Igreja.

A coesão social e a liberdade individual, como a religião e a ciência, acham-se num estado de conflito ou difícil compromisso durante todo este período. Na Grécia, a coesão social era assegurada pela lealdade ao Estado-Cidade; o próprio Aristóteles, embora, em sua época, Alexandre estivesse tornando obsoleto o Estado-Cidade, não conseguia ver mérito algum em qualquer outro tipo de comunidade. Variava grandemente o grau em que a liberdade individual cedia ante seus deveres para com a Cidade. Em Esparta, o indivíduo tinha tão pouca liberdade como na Alemanha ou na Rússia modernas; em Atenas, apesar de perseguições ocasionais, os cidadãos desfrutaram, em seu melhor período, de extraordinária liberdade quanto a restrições impostas pelo Estado. 0 pensamento grego, até Aristóteles, é dominado por uma devoção religiosa e patriótica á Cidade; seus sistemas éticos são adaptados às vidas dos cidadãos e contêm grande elemento político.

Quando os gregos se submeteram, primeiro aos macedônios e, depois, aos romanos, as concepções válidas em seus dias de independência não eram mais aplicáveis. Isto produziu, por um lado, uma perda de vigor, devido ao rompimento com as tradições e, por outro lado, uma ética mais individual e menos social. Os estóicos consideravam a vida virtuosa mais como uma relação da alma com Deus do que como uma relação do cidadão com o Estado. Prepararam, dessa forma, o caminho para o Cristianismo, que, como o estoicismo, era, originalmente, apolítico, já que, durante os seus três primeiros séculos, seus adeptos não tinham influência no governo. A coesão social, durante os seis séculos e meio que vão de Alexandre a Constantino, f oi assegurada, não pela filosofia nem pelas antigas fidelidades, mas pela força - primeiro a força dos exércitos e, depois, a da administração civil. Os exércitos romanos, as estradas romanas, a lei romana e os funcionários romanos, primeiro criaram e depois preservaram um poderoso Estado centralizado.

Nada se pode atribuir à filosofia romana, já que esta não existia.

Durante esse longo período, as idéias gregas herdadas da época da liberdade sofreram um processo gradual de transformação. Algumas das velhas idéias, principalmente aquelas que deveríamos encarar como especificamente religiosas, adquiriram uma importância relativa; outras, mais racionalistas, foram abandonadas, pois não mais se ajustavam ao espírito da época. Desse modo, os pagãos posteriores foram se adaptando á tradição grega, até esta poder incorporar-se na doutrina cristã.

O Cristianismo popularizou uma idéia importante, já implícita nos ensinamentos dos estóicos, mas estranha ao espírito geral da antigüidade, isto é, a idéia de que o dever do homem para com Deus é mais imperativo do que o seu dever para com o Estado.l A opinião de que "devemos obedecer mais a Deus que ao homem", como Sócrates e os Apóstolos afirmavam, sobreviveu à conversão de Constantino, porque os primeiros cristãos eram arianos ou se sentiam inclinados para o arianismo. Quando os imperadores se tornaram ortodoxos, foi ela suspensa temporariamente. Durante o Império Bizantino, permaneceu latente, bem como no Império Russo subseqüente, o qual derivou do Cristianismo de Constantinopla. Mas no Ocidente, onde os imperadores católicos foram quase imediatamente substituídos ( exceto em certas partes da Gália ) por conquistadores bárbaros heréticos, a superioridade da lealdade religiosa sobre a lealdade política sobreviveu e, até certo ponto, persiste ainda hoje.

A invasão dos bárbaros pôs fim, por espaço de seis séculos, à civilização da Europa Ocidental. Subsistiu, na Irlanda, até que os dinamarqueses a destruíram no século IX. Antes de sua extinção produziu, lá, uma figura notável, Scotus Erigena. No Império Oriental, a civilização grega sobreviveu, em forma dissecada, como num museu, até à queda de Constantinopla, em 1453, mas nada que fosse de importância para o mundo saiu de Constantinopla, exceto uma tradição artística e os Códigos de Direito Romano de Justiniano.

Durante o período de obscuridade, desde o fim do século V até a metade do século XI, o mundo romano ocidental sofreu algumas transformações interessantes. O conflito entre o dever para com Deus e o dever para com o Estado, introduzido pelo Cristianismo, adquiriu o caráter de um conflito entre a Igreja e o rei. A jurisdição eclesiástica do Papa estendia-se sobre a Itália, França, Espanha, Grã-Bretanha e Irlanda, Alemanha, Escandinávia e Polônia.

A princípio, fora da Itália e do sul da França foi muito leve o seu controle sobre bispos e abades, mas, desde o tempo de Gregório VII ( fins do século XI ), tornou-se real e efetivo. Desde então o clero, em toda a Europa Ocidental, formou uma única organização, dirigida por Roma, que procurava o poder inteligente e incansavelmente e, em geral, vitoriosamente, até depois do ano 1300, em seus conflitos com os governantes seculares. O conflito entre a Igreja e o Estado não foi apenas um conflito entre o clero e os leigos; foi, também, uma renovação da luta entre o mundo mediterrâneo e os bárbaros do norte. A unidade da Igreja era um reflexo da unidade do Império Romano; sua liturgia era latina, e os seus homens mais proeminentes eram, em sua maior parte, italianos, espanhóis ou franceses do sul. Sua educação, quando esta renasceu, foi clássica; suas concepções da lei e do governo teriam sido mais compreensíveis para Marco Aurélio do que para os monarcas contemporâneos.

A Igreja representava, ao mesmo tempo, continuidade com o passado e com o que havia de mais civilizado no presente.

O poder secular, ao contrário, estava nas mãos de reis e barões de origem teutônica, os quais procuravam preservar, o máximo possível, as instituições que haviam trazido as florestas da Alemanha. O poder absoluto era alheio a essas instituições, como também era estranho, a esses vigorosos conquistadores, tudo aquilo que tivesse aparência de uma legalidade monótona e sem espírito. O rei tinha de compartilhar seu poder com a aristocracia feudal, mas todos esperavam, do mesmo modo, que lhes fosse permitido, de vez em quando, uma explosão ocasional de suas paixões em forma de guerra, assassínio, pilhagem ou rapto, é possível que os monarcas se arrependessem, pois eram sinceramente piedosos e, afinal de contas, o arrependimento era em si mesmo uma forma de paixão. A Igreja, porém, jamais conseguiu produzir neles a tranqüila regularidade de uma boa conduta, como a que o empregador moderno exige e, às vezes, consegue obter de seus empregados. De que lhes valia conquistar o mundo, se não podiam beber, assassinar e amar como o espírito lhes exigia? E por que deveriam eles, com seus exércitos de altivos, submeter-se ás ordens de homens letrados, dedicados ao celibato e destituídos de forças armadas? Apesar da desaprovação eclesiástica, conservaram o duelo e a decisão das disputas por meio das armas, e os torneios e o amor cortesão floresceram. às vezes, num acesso de raiva, chegavam a matar mesmo eclesiásticos eminentes.

Toda a força armada estava do lado dos reis, mas, não obstante, a Igreja saiu vitoriosa. A Igreja ganhou a batalha, em parte, porque tinha quase todo o monopólio do ensino e, em parte, porque os reis viviam constantemente em guerra. uns com os outros; mas ganhou-a, principalmente, porque, com muito poucas exceções, tanto os governantes como ó povo acreditavam sinceramente que a Igreja possuía as chaves do céu. A Igreja podia decidir se um rei devia passar a eternidade no céu ou no inferno; a Igreja podia absolver os súditos do dever de fidelidade e, assim, estimular a rebelião. Além disso, a Igreja representava a ordem em lugar da anarquia e, por conseguinte, conquistou o apoio da classe mercantil que surgia. Na Itália, principalmente, esta última consideração foi decisiva.

A tentativa teutônica .de preservar pelo menos uma independência. Parcial da Igreja manifestou-se não apenas na política, mas, também, na arte, no romance, no cavalheirismo e na guerra. Manifestou-se muito pouco no mundo intelectual, pois o ensino se achava quase inteiramente nas mãos do clero. A filosofia explícita da Idade Média não é um espelho exato da época, mas apenas do pensamento de um grupo. Entre os eclesiásticos, porém - principalmente entre os frades franciscanos - havia alguns que, por várias razões, estavam em desacordo com o Papa. Na Itália, ademais, a cultura estendeu-se aos leigos alguns séculos antes de se estender até ao norte dos Alpes. Frederico II, que procurou fundar uma nova religião, representa o extremo da cultura antipapista; Tomás de Aquino, que nasceu no reino de Nápoles, onde o poder de Frederico era supremo, continua sendo até hoje o expoente clássico da filosofia papal. Dante, cerca de cinqüenta anos mais tarde, conseguiu chegar a uma síntese, oferecendo a única exposição equilibrada de todo o mundo ideológico medieval Depois de Dante, tanto por motivos políticos como intelectuais, a síntese filosófica medieval se desmoronou. Teve ela, enquanto durou, uma qualidade de ordem e perfeição de miniatura: qualquer coisa de que esse sistema se ocupasse, era colocada com precisão em relação com o que constituía o seu cosmo bastante limitado. Mas o Grande Cisma, o movimento dos Concílios e o papado da renascença produziram a Reforma, que destruiu a unidade do Cristianismo e a teoria escolástica de governo que girava em torno do Papa. No período da Renascença, o novo conhecimento, tanto da antiguidade como da superfície da terra, fez com que os homens se cansassem de sistemas, que passaram a ser considerados como prisões mentais. A astronomia de Copérnico atribuiu á terra e ao homem uma posição mais humilde do que aquela que haviam desfrutado na teoria de Ptolomeu. O prazer pelos f atos recentes tomou o lugar, entre os homens inteligentes, do prazer de raciocinar, analisar e construir sistemas. Embora a Renascença, na arte, conserve ainda uma determinada ordem, prefere, quanto ao que diz respeito ao pensamento, uma ampla e fecunda desordem. Neste sentido, Montaigne é o mais típico expoente da época.

Tanto na teoria política como em tudo o mais, exceto a arte, a ordem sofre um colapso. A Idade Média, embora praticamente turbulenta, era dominada, em sua ideologia, pelo amor da legalidade e por uma teoria muito precisa do poder político. Todo poder procede, em última análise, de Deus; Ele delegou poder ao Papa nos assuntos sagrados, e ao Imperador nos assuntos seculares.

Mas tanto o Papa como o Imperador perderam sua importância durante o século XV. O Papa tornou-se simplesmente um dos príncipes italianos, empenhado no jogo incrivelmente complicado e inescrupuloso do poder político italiano. As novas monarquias nacionais na França, Espanha e Inglaterra tinham, em seus próprios territórios, um poder no qual nem o Papa nem o Imperador podiam interferir. O Estado nacional, devido, em grande parte, à pólvora, adquiriu uma influência sobre o pensamento e o modo de sentir dos homens, como jamais exercera antes - influência essa que, progressivamente, destruiu o que restava da crença romana quanto à unidade da civilização.

Essa desordem política encontrou sua expressão no Príncipe, de Maquiavel. Na ausência de qualquer princípio diretivo, a política se transformou em áspera luta pelo poder. O Príncipe dá conselhos astutos quanto à maneira de se participar com êxito desse jogo. O que já havia acontecido na idade de ouro da Grécia, ocorreu de novo na Itália renascentista:

os freios morais tradicionais desapareceram, pois eram considerados como coisa ligada à superstição; a libertação dos grilhões tornou os indivíduos enérgicos e criadores, produzindo um raro florescimento do gênio mas a anarquia e a traição resultantes, inevitavelmente, da decadência da moral, tornou os italianos coletivamente impotentes, e caíram, como os gregos, sob o domínio de nações menos civilizadas do que eles, mas não tão destituídas – de coesão social.

Todavia, o resultado foi menos desastroso do que no caso da Grécia, pois as nações que tinham acabado de chegar ao poder, com exceção da Espanha, se mostravam capazes de tão grandes realizações como o havia sido a Itália.

Do século XVI em diante, a história do pensamento europeu é dominada pela Reforma. Reforma foi um movimento complexo, multiforme, e seu êxito se deve a numerosas causas. De um modo geral, foi uma revolta das nações do norte contra o renovado domínio de Roma. A religião fora a força que subjugara o Norte, mas a religião, na Itália, decaíra: o papado permanecia como uma instituição, extraindo grandes tributos da Alemanha e da Inglaterra, mas estas nações, que eram ainda piedosas, não podiam sentir reverência alguma para com os Bórgias e os Médicis, que pretendiam salvar as almas do purgatório em troca de dinheiro, que esbanjavam no luxo e na imoralidade.

Motivos nacionais motivos econômicos e motivos, religiosos conjugaram-se para fortalecer a revolta contra Roma. Além disso, os príncipes logo perceberam que, se a Igreja se tornasse, em seus territórios, simplesmente nacional, eles seriam capazes de dominá-la, tornando-se, assim, muito mais poderosos, em seus países, do que jamais o haviam sido compartilhando o seu domínio com o Papa. Por todas essas razões, as inovações teológicas de Lutero foram bem recebidas, tanto pelos governantes como pelo povo, na maior parte da Europa Setentrional.

A Igreja Católica procedia de três fontes. Sua história sagrada era judaica; sua teologia, grega, e seu governo e leis canônicas, ao menos indiretamente, romanos. A Reforma rejeitou os elementos romanos, atenuou os elementos gregos e fortaleceu grandemente os elementos judaicos. Cooperou, assim, com as forças nacionalistas que estavam desfazendo a obra de coesão nacional que tinha sido levada a cabo primeiro pelo Império Romano e, depois, pela Igreja Romana. Na doutrina católica, a revelação divina não terminava na sagrada escritura, mas continuava, de era em era, através da Igreja, à qual, pois, era dever do indivíduo submeter suas opiniões pessoais. Os protestantes, ao contrário, rejeitaram a Igreja como veículo da revelação divina; a verdade devia ser procurada unicamente na Bíblia, que cada qual podia interpretar à sua maneira. Se os homens diferissem em sua interpretação, não havia nenhuma autoridade designada pela divindade que resolvesse tais divergências. Na prática, o Estado reivindicava o direito que pertencera antes à Igreja - mas isso era uma usurpação. Na teoria protestante, não devia haver nenhum intermediário terreno entre a alma e Deus.

Os efeitos dessa mudança foram importantes. A verdade não mais era estabelecida mediante consulta à autoridade, mas por meio da meditação íntima. Desenvolveu-se, rapidamente, uma tendência para o anarquismo na política e misticismo na religião, o que sempre fora difícil de se ajustar à estrutura da ortodoxia católica. Aconteceu que, em lugar de um único Protestantismo, surgiram numerosas seitas; nenhuma filosofia se opunha à escolástica, mas havia tantas filosofias quantos eram os filósofos. Não havia, no século XIII, nenhum Imperador que se opusesse ao Papa, mas sim um grande número de reis heréticos. O resultado disso, tanto no pensamento como na literatura, foi um subjetivismo cada vez mais profundo, agindo primeiro como uma libertação saudável da escravidão espiritual mas caminhando, depois, constantemente, para um isolamento pessoal, contrário à solidez social.

A filosofia moderna começa com Descartes, cuja certeza fundamental é a existência de si mesmo e de seus pensamentos, dos quais o mundo exterior deve ser inferido. Isso constitui apenas a primeira fase de um desenvolvimento que, passando por Berkeley e Kant, chega a Fichte, para quem tudo era apenas uma emanação do eu. Isso era uma loucura, e, partindo desse extremo, a filosofia tem procurado, desde então, evadir-se para o mundo do senso comum cotidiano.

Com o subjetivismo na filosofia, o anarquismo anda de mãos dadas com a política. Já no tempo de Lutero, discípulos inoportunos e não reconhecidos haviam desenvolvido a doutrina do anabatismo, a qual, durante algum tempo, dominou a cidade de Wünster. Os anabatistas repudiavam toda lei, pois afirmavam que o homem bom seria guiado, em todos os momentos, pelo Espírito Santo, que não pode ser preso a fórmulas. Partindo dessas premissas, chegam ao comunismo e à promiscuidade sexual. Foram, pois, exterminados, após uma resistência heróica. Mas sua doutrina, em formas mais atenuadas, se estendem pela Holanda, Inglaterra e Estados Unidos; historicamente, é a origem do "quakerismo". Uma forma mais feroz de anarquismo, não mais relacionada Com a religião, surgiu no século XIX. Na Rússia, Espanha e, em menor grau, na Itália, obteve considerável êxito, constituindo, até hoje, um pesadelo para as autoridades americanas de imigração. Esta versão moderna, embora anti-religiosa, encerra ainda muito do espírito do protestantismo primitivo; difere principalmente dele devido ao fato de dirigir contra os governos seculares a hostilidade que Lutero dirigia contra os Papas.

A subjetividade, uma vez desencadeada, já não podia circunscrevem-se aos seus limites, até que tivesse seguido seu curso. Na moral, a atitude enfática dos protestantes, quanto à consciência individual, era essencialmente anárquica. O hábito e o costume eram tão fortes que, exceto em algumas manifestações ocasionais, como, por exemplo, a de Münster, os discípulos do individualismo na ética continuaram a agir de maneira convencionalmente virtuosa. Mas era um equilíbrio precário. O culto do século XVIII à "sensibilidade" começou a romper esse equilíbrio: um ato era admirado não pelas suas boas conseqüências, ou porque estivesse de acordo com um código moral, mas devido à emoção que o inspirava. Dessa atitude nasceu o culto do herói, tal como foi manifestado por Carlyle e Nietzsche, bem como o culto byroniano da paixão violenta, qualquer que esta seja.

O movimento romântico, na arte, na literatura e na política, está ligado a essa maneira subjetiva de julgar-se os homens, não como membros de uma comunidade, mas como objetos de contemplação esteticamente encantadores.

Os tigres são mais belos do que as ovelhas, mas preferimos que estejam atrás de grades. O romântico típico remove as grades e delicia-se com os saltos magníficos com que o tigre aniquila as ovelhas. Incita os homens a imaginar que são tigres e, quando o consegue, os resultados não são inteiramente agradáveis.

Contra as formas mais loucas do subjetivismo nos tempos modernos tem havido várias reações. Primeiro, uma filosofia de semicompromisso, a doutrina do liberalismo, que procurou delimitar as esferas relativas ao governo e ao indivíduo. Isso começa, em sua forma moderna, com Locke, que é tão contrário ao "entusiasmo" - o individualismo dos anabatistas como à autoridade absoluta e à cega subserviência à tradição. Uma rebelião mais extensa conduz à doutrina do culto do Estado, que atribui ao Estado a posição que o Catolicismo atribuía à Igreja, ou mesmo, às vezes, a Deus. Hobbes, Rousseau e Hegel representam fases distintas desta teoria, e suas doutrinas se acham encarnadas, praticamente, em Cromwell, Napoleão e na Alemanha moderna. O comunismo, na teoria, está muito longe dessas filosofias, mas é conduzido, na prática, a um tipo de comunidade bastante semelhante àquela e que resulta a adoração do Estado.

Durante todo o transcurso deste longo desenvolvimento, desde 600 anos antes de Cristo até aos nossos dias, os filósofos têm-se dividido entre aqueles que querem estreitar os laços sociais e aqueles que desejam afrouxá-los. A esta diferença, acham-se associadas outras. Os partidários da disciplina advogaram este ou aquele sistema dogmático, velho ou novo, chegando, portanto a ser, em menor ou maior grau, hostis à ciência, já que seus dogmas não podiam ser provados empiricamente. Ensinavam, quase invariavelmente, que a felicidade não constitui o bem, mas que a "nobreza" ou o "heroísmo" devem ser a ela preferidos. Demonstravam simpatia pelo que havia de irracional na natureza humana, pois acreditavam que a razão é inimiga da coesão social. Os partidários da liberdade, por outro lado, com exceção dos anarquistas extremados, procuravam ser científicos, utilitaristas, racionalistas, contrários à paixão violenta, e inimigos de todas as formas mais profundas de religião. este conflito existiu, na Grécia, antes do aparecimento do que chamamos filosofia, revelando-se já, bastante claramente, no mais antigo pensamento grego. Sob formas diversas, persistiu até aos nossos dias, e continuará, sem dúvida, a existir durante muitas das eras vindouras.

É claro que cada um dos participantes desta disputa como em tudo que persiste durante longo tempo - tem a sua parte de razão e a sua parte de equívoco. A coesão social é uma necessidade, e a humanidade jamais conseguiu, até agora, impor a coesão mediante argumentos meramente racionais. Toda comunidade está exposta a dois perigos opostos: por um lado, a fossilização, devido a uma disciplina exagerada e um respeito excessivo pela tradição; por outro lado, a dissolução, a submissão ante a conquista estrangeira, devido ao desenvolvimento da independência pessoal e do individualismo, que tornam impossível a cooperação. Em geral, as civilizações importantes começam por um sistema rígido e supersticioso que, aos poucos, vai sendo afrouxado, e que conduz, em determinada fase, a um período de gênio brilhante, enquanto perdura o que há de bom na tradição antiga, e não se desenvolveu ainda o mal inerente à sua dissolução. Mas, quando o mal começa a manifestar-se, conduz à anarquia e, daí, inevitavelmente, a uma nova tirania, produzindo uma nova síntese, baseada num novo sistema dogmático. A doutrina do liberalismo é uma tentativa para evitar essa interminável oscilação. A essência do liberalismo é uma tentativa no sentido de assegurar uma ordem social que não se baseie no dogma irracional, e assegurar uma estabilidade sem acarretar mais restrições do que as necessárias à preservação da comunidade. Se esta tentativa pode ser bem sucedida, somente o futuro poderá demonstrá-lo.

10 junho 2011

POR DENTRO DO CÉREBRO - Entrevista com Paulo Niemeyer Filho, neurocirurgião

O neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho conta os avanços nos tratamentos de doenças como o mal de Parkinson e como evitar aneurisma e perda de memória.
E projeta, ainda, o futuro próximo, quando boa parte do sistema neurológico estará sob controle do homem.
Chegar à casa do neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, no alto da Gávea, no Rio de Janeiro, é uma emoção. A começar pela vista deslumbrante da cidade, passando pelos macacos que passeiam pelos galhos até avistar as orquídeas que caem em pencas das árvores, colorindo todo o jardim.
Ou seja: a competência desse médico, com 33 anos de profissão, que dedica sua vida à medicina com a paixão de um garoto, pode ser contada em flores. E são muitas.
Filho do lendário neurocirurgião Paulo Niemeyer, pioneiro da microneurocirurgia no Brasil, e sobrinho do arquiteto Oscar Niemeyer, Paulo escolheu a medicina ainda adolescente.
Aos 17 anos, entrou na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Quinze dias depois de formado, com 23 anos, mudou-se para a Inglaterra, onde foi estudar neurologia na Universidade de Londres.
De volta ao Brasil, fez doutorado na Escola Paulista de Medicina. Ao todo, sua formação levou 20 anos de empenho absoluto.
Mas a recompensa foi à altura. Apaixonado por seu ofício, Paulo chefia hoje os serviços de neurocirurgia da Santa Casa do Rio de Janeiro e da Clínica São Vicente, onde atende e opera de segunda a sábado, quando não há uma emergência no domingo, e ainda encontra tempo para dar aulas no curso de pós-graduação em neurocirurgia na PUC-Rio.
Por suas mãos já passaram o músico Herbert Vianna - de quem cuidou em 2001, depois do acidente de ultraleve em Mangaratiba, litoral do Rio -, o ator e diretor Paulo José, a atriz Malu Mader e, mais recentemente, o diretor de televisão Estevão Ciavatta - marido da atriz Regina Casé que, depois de um tombo do cavalo, recupera-se plenamente -, além de centenas de outros pacientes, muitos deles representados pelas belas flores que enchem de vida o seu jardim.


Revista PODER: Seu pai também era neurocirurgião. Ele o influenciou?

PAULO NIEMEYER: Certamente. Acho que queria ser igual a ele, que era o meu ídolo.

PODER: Seu pai trabalhou até os 90 anos. A idade não é um complicador para um neurocirurgião? Ela não tira a destreza das mãos, numa área em que isso é crucial?

PN: A neurocirurgia é muito mais estratégia do que habilidade manual. Cada caso tem um planejamento específico e isso já é a metade do resultado. Você tem de ser um estrategista..

PODER: O que é essa inovação tecnológica que as pessoas estão chamando de marcapasso do cérebro?

PN: Tem uma área nova na neurocirurgia chamada neuromodulação, o que popularmente se chama de marcapasso, mas que nós chamamos de estimulação cerebral profunda. O estimulador fica embaixo da pele e são colocados eletrodos no cérebro, para estimular ou inibir o funcionamento de alguma área. Isso começou a ser utilizado para os pacientes de Parkinson. Quando a pessoa tem um tremor que não controla, você bota um eletrodo no ponto que o está provocando, inibe essa área e o tremor pára. Esse procedimento está sendo ampliado para outras doenças. Daqui a um ou dois anos, distúrbios alimentares como obesidade mórbida e anorexia nervosa vão ser tratados com um estimulador cerebral.Porque não são doenças do estômago, e sim da cabeça.

PODER: O que se conhece do cérebro humano?

PN: Hoje você tem os exames de ressonância magnética, em que consegue ver a ativação das áreas cerebrais, e cada vez mais o cérebro vem sendo desvendado.

Ainda há muito o que descobrir, mas com essas técnicas de estimulação você vai entendendo cada vez mais o funcionamento dessas áreas. O que ainda é um mistério é o psiquismo, que é muito mais complexo. Por que um clone jamais será igual ao original?

Geneticamente será a mesma coisa, mas o comportamento depende muito da influência do meio e de outras causas que a gente nunca vai desvendar totalmente.

PODER: Existe uma discussão entre psicanalistas e psiquiatras, na qual os primeiros apostam na melhora por meio da investigação da subjetividade, e os últimos acreditam que boa parte dos problemas psíquicos se resolve com remédios.. Qual é sua opinião?

PN: Há casos de depressão que são causados por tumores cerebrais: você opera e o doente fica bem. Há casos de depressão que são causados por deficiência química: você repõe a química que está faltando e a pessoa fica bem. Numa época em que se fazia psicocirurgia existiam doentes que ficavam trancados num quarto escuro e quando faziam a cirurgia se livravam da depressão e nunca mais tomavam remédio. E há os casos que são puramente psíquicos,emocionais, que não têm nenhuma indicação de tomar remédio.

PODER: Já existe alguma evolução na neurologia por causa das células-tronco?

PN: Muito pouco. O que acontece com as células-tronco é que você não sabe ainda como controlar. Por exemplo: o paciente tem um déficit motor, uma paralisia, então você injeta lá uma célula-tronco, mas não consegue ter certeza de que ela vai se transformar numa célula que faz o movimento. Ela pode se transformar em outra coisa, você não tem o controle, ainda.

PODER: Existe alguma coisa que se possa fazer para o cérebro funcionar melhor?

PN: Você tem de tratar do espírito. Precisa estar feliz, de bem com a vida, fazer exercício. Se está deprimido, com a autoestima baixa, a primeira coisa que acontece é a memória ir embora; 90% das queixas de falta de memória são por depressão, desencanto, desestímulo. Para o cérebro funcionar melhor, você tem de ter motivação. Acordar de manhã e ter desejo de fazer alguma coisa, ter prazer no que está fazendo e ter a autoestima no ponto.

PODER: Cabeça tem a ver com alma?

PN: Eu acho que a alma está na cabeça. Quando um doente está com morte cerebral, você tem a impressão de que ele já está sem alma... Isso não dá para explicar, o coração está batendo, mas ele não está mais vivo.

POODER: O que se pode fazer para se prevenir de doenças neurológicas?

PN: Todo adulto deve incluir no check-up uma investigação cerebral. Vou dar um exemplo: os aneurismas cerebrais têm uma mortalidade de 50% quando rompem, não importa o tratamento. Dos 50% que não morrem, 30% vão ter uma sequela grave: ficar sem falar ou ter uma paralisia. Só 20% ficam bem. Agora, se você encontra o aneurisma num checkup, antes dele sangrar, tem o risco do tratamento, que é de 2%, 3%. É uma doença muito grave, que pode ser prevenida com um check-up.

PODER: Você acha que a vida moderna atrapalha?

PN: Não, eu acho a vida moderna uma maravilha. A vida na Idade Média era um horror. As pessoas morriam de doenças que hoje são banais de ser tratadas. O sofrimento era muito maior. As pessoas morriam em casa com dor. Hoje existem remédios fortíssimos, ninguém mais tem dor.

PODER: Existe algum inimigo do bom funcionamento do cérebro?

PN: O exagero. Na bebida, nas drogas, na comida. O cérebro tem de ser bem tratado como o corpo. Uma coisa depende da outra. É muito difícil um cérebro muito bem num corpo muito maltratado, e vice-versa.

PODER: Qual a evolução que você imagina para a neurocirurgia?

PN: Até agora a gente trata das deformidades que a doença causa, mas acho que vamos entrar numa fase de reparação do funcionamento cerebral, cirurgia genética, que serão cirurgias com introdução de cateter, colocação de partículas de nanotecnologia, em que você vai entrar na célula, com partículas que carregam dentro delas um remédio que vai matar aquela célula doente. Daqui a 50 anos ninguém mais vai precisar abrir a cabeça.

PODER: Você acha que nós somos a última geração que vai envelhecer?

PN: Acho que vamos morrer igual, mas vamos envelhecer menos. As pessoas irão bem até morrer. É isso que a gente espera. Ninguém quer a decadência da velhice. Se você puder ir bem de saúde, de aspecto, até o dia da morte, será uma maravilha, não é?

PODER: Você não vê contraindicações na manipulação dos processos naturais da vida?

PN: O que é perigoso nesse progresso todo é que, assim como vai criar novas soluções, ele também trará novos problemas. Com a genética, por exemplo, você vai fazer um exame de sangue e o resultado vai dizer que você tem 70% de chance de ter um câncer de mama. Mas 70% não querem dizer que você vai ter, até porque aquilo é uma tendência. Desenvolver depende do meio em que você vive, se fuma, de muitos outros fatores que interferem. Isso vai criar um certo pânico. E, além do mais, pode criar problemas, como a companhia de seguros exigir um exame genético para saber as suas tendências. Nós vamos ter problemas daqui para frente que serão éticos, morais, comportamentais, relacionados a esse conhecimento que vem por aí, e eu acho que vai ser um período muito rico de debates.

PODER: Você acredita que na hora em que as pessoas puderem decidir geneticamente a sua hereditariedade e todo mundo tiver filhos fortes e lindos, os valores da sociedade vão se inverter e, em vez do belo, as qualidades serão se a pessoa é inteligente, se é culta, o que pensa?

PN: Mas aí você vai poder escolher isso também. Esse vai ser o problema: todo mundo vai ser inteligente. Isso vai tirar um pouco do romantismo e da graça da vida. Pelo menos diante do que a gente está acostumado. Acho que a vida vai ficar um pouco dura demais, sob certos aspectos. Mas, por outro lado, vai trazer curas e conforto.

PODER: Hoje a gente lida com o tempo de uma forma completamente diferente. Você acha que isso muda o funcionamento cerebral das pessoas?

PN: O cérebro vai se adaptando aos estímulos que recebe, e às necessidades. Você vê pais reclamando que os filhos não saem da internet, mas eles têm de fazer isso porque o cérebro hoje vai funcionar nessa rapidez. Ele tem de entrar nesse clique, porque senão vai ficar para trás. Isso faz parte do mundo em que a gente vive e o cérebro vai correndo atrás, se adaptando.

PODER: Já aconteceu de você recomendar um procedimento e a pessoa não querer fazer?

PN: A gente recomenda, mas nunca pode forçar. Uma coisa é a ciência, e outra é a medicina. A pessoa, para se sentir viva, tem de ter um mínimo de qualidade. Estar vivo não é só estar respirando. A vida é um conjunto. Há doentes que preferem abreviar a vida em função de ter uma qualidade melhor. De que adianta ficar ali, só para dizer que está vivo, se o sujeito perde todas as suas referências, suas riquezas emocionais, psíquicas. É muito difícil, a gente tem de respeitar muito.

PODER: Como é o seu dia a dia?

PN: Eu opero de segunda a sábado de manhã, e de tarde atendo no consultório. Na Santa Casa, que é o meu xodó, nós temos 50 leitos, só para pessoas pobres. Eu opero lá duas vezes por semana. E, nos outros dias, na Clínica São Vicente. O que a gente mais opera são os aneurismas cerebrais e os tumores. Então, é adrenalina todo dia. Sem ela a gente desanima e o cérebro funciona mal. (risos)

PODER: Você é workaholic?

PN: Não é que eu trabalhe muito, a minha vida é aquilo. Quando viajo, fico entediado. Depois de alguns dias, quero voltar. Você perde a sua referência, está acostumado com aquela pressão, aquele elástico esticado.

PODER: Como você lida com a impotência quando não consegue salvar um paciente?

PN: É evidente que depois de alguns anos, a gente aprende a se defender. Mas perder um doente faz mal a um cirurgião. Se acontece, eu paro com o grupo para discutir o que se passou, o que poderia ter sido melhor, onde foi a dificuldade. Não é uma coisa pela qual a gente passe batido. Se o cirurgião acha banal perder um paciente é porque alguma coisa não está bem com ele mesmo.

PODER: Como você lida com as famílias dos seus pacientes?

PN: Essa relação é muito importante. As famílias vão dar tranquilidade e confiança para fazer o que deve ser feito. Não basta o doente confiar no médico. O médico também tem de confiar no doente. E na família. Se é uma família que cria caso, que é brigada entre si, dividida, o cirurgião já não tem a mesma segurança de fazer o que deve ser feito. Muitas vezes o doente não tem como opinar, está anestesiado e no meio de uma cirurgia você encontra uma situação inesperada e tem de decidir por ele. Se tem certeza de que ele está fechado com você, a decisão é fácil. Mas se o doente é uma pessoa em quem você não confia, você fica inseguro de tomar certas decisões. É uma relação bilateral, como num casamento. Um doente que você opera é uma relação para o resto da vida.

Poder: Você acredita em Deus?

PN: Geralmente depois de dez horas de cirurgia, aquele estresse, aquela adrenalina toda, quando você acaba de operar, vai até a família e diz: "Ele está salvo". Aí, a família olha pra você e diz: "Graças a Deus!". Então, a gente acredita que não fomos apenas nós.

PODER: Como você relaxa?

PN: Estudando. A coisa que mais gosto de fazer é ler. Sábado e domingo, depois do almoço, gosto de sentar e ler, ficar sozinho em silêncio absoluto.

PODER: E o que gosta de ler?

PN: Sobre medicina ou história. Agora estou lendo um livro antigo, chamado Bandeirantes e Pioneiros, do Vianna Moog, no qual ele compara a colonização dos Estados Unidos com a do Brasil. E discute por que os Estados Unidos, com 100 anos a menos que o Brasil, tiveram um enriquecimento e um progresso tão rápidos.

Por que um país se desenvolveu em progressão geométrica e o outro em progressão aritmética.

25 maio 2009

DE QUEM É A TERRA?


"Basta que contemples de olhos abertos a viva natureza, encontrarás assunto para todo o sempre e aprenderás a ser modesto."
Karl von Frisch


Sob o titulo “A quem pertence a Terra”, Leonardo Boff escreve hoje no blog do Noblat o texto que, confesso, eu gostaria de te-lo escrito. Por que? Porque ele fala exatamente o que eu penso sobre a colocação e função do homem na Terra.
Ele diz: Apelamos até à palavra das Escrituras que nos dizem: ”entrego-vos tudo... propagai-vos pela Terra e dominai-a”(Gn 9,3.7).
Eu acredito que ele fala de um domínio onde o homem poderia desenvolver-se respeitando tudo o que já existe e o que ele poderia vir a conhecer. Contudo o homem armou-se, principalmente, de sua arrogância para a dominação e não da modestia que o cientista da epígrafe propõe. É que o homem deseja o que ele não tem e principalmente o objeto que ele não possui ou não é, mas que ele acha que o outro possui e é. Não importa quem seja o outro. Pode ser humano ou não. Isso explicaria as guerras ou a exterminação de seres diversos por conta da sua ação.
No terceiro parágrafo, essa afirmativa toma vigor, para em seguida cavalgar pelo cosmo e reduzir o homem à sua pequenez. Nessa medida, alguns homens que sobressaem pela fama, dinheiro ou poder, assumem uma arrogância para domínio de outros homens na suas relações. Freud já dizia isso quando escreveu “O mal estar na civilização”, como o terceiro, e talvez, o pior dos males ao qual o homem está sujeito.
Boff fala assim: Mudando de registro e caindo na nossa realidade cotidiana e brutal dos negócios: a quem pertence a Terra? Ela, na verdade, pertence aos que detém poder, aos que controlam os mercados, aos que vendem e compram seu chão, seus bens e serviços, água, genes, sementes, órgãos humanos, pessoas feitas também mercadorias. Estes pretendem ser os donos da Terra e dispõem dela como bem entendem.
Ridiculariza o humano que não é dono de si mesmo, nem de sua origem, nem da sua existência, menos ainda de sua morte.
A pergunta a quem a Terra pertence continua no ar. Ele conclui que a melhor resposta pertence às religiões, dizendo: Nós somos hóspedes temporários e simples cuidadores com a missão de torná-la o que um dia foi: o Jardim do Éden. Será isso possível algum dia?

Leia na integra no link acima.

28 maio 2008

STF: PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS TÊM QUATRO VOTOS A FAVOR

Cláudia Andrade

De Brasília

O julgamento das pesquisas com células-tronco embrionárias tem agora quatro votos a favor, dois "parcialmente" contra e um favorável, mas com ressalvas. O que está sendo julgado é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que contesta a permissão desse tipo de pesquisa, com base no princípio constitucional do direito à inviolabilidade da vida. Os ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Ellen Gracie e Carlos Ayres Britto se manifestaram contra a Adin e, portanto, a favor das pesquisas.


Ricardo Lewandowski e Menezes Direito se disseram "parcialmente" a favor da Adin, propondo restrições às pesquisas, com ênfase na proibição da destruição de embriões. Eros Grau também é contra a destruição, mas não considerou a Lei de Biossegurança - que permite as pesquisas com células-tronco embrionárias - inconstitucional; apenas sugeriu alterações à mesma. Essa defesa ainda deverá ser discutida pelos ministros, como previu o próprio presidente do Supremo, Gilmar Mendes.

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27 maio 2008

DIREITO À VIDA COM PRAZO DE VALIDADE

Por Rogério Silva

Em abril do ano passado escrevi uma postagem neste blog PRÓ-CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. Na ocasião era demonstrado um marco na história do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 178 anos de existência, a mais alta corte do Brasil realizou, pela primeira vez, uma audiência pública. Com o objetivo de ouvir cientistas sobre a lei que autoriza a realização no país de pesquisa com células-tronco embrionárias. Isso só confirmava a aposta de investigadores do mundo inteiro para a cura de várias doenças ainda incuráveis, como mal de Parkinson, diabetes, doenças neuromusculares e secção da medula espinhal por acidentes e armas de fogo e etc..

Foto: célula tronco de embrião de rato.

O julgamento foi iniciado e suspenso no dia 5 de março deste ano, após um pedido de vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Antes disso, o relator da ação, ministro Carlos Ayres Britto, e a então presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie, votaram contra a ação e a favor da pesquisa com células-tronco embrionárias.

Os lobbies a favor e contra o uso de embriões humanos em pesquisa se intensificaram nas vésperas da retomada do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade sobre o tema pelo STF (Supremo Tribunal Federal), marcada para amanhã.

Hoje a lei brasileira já permite a utilização de embriões produzidos em laboratório para fins de reprodução assistida. Contudo não abrange todos os casos. Autoriza apenas o uso daqueles inviáveis para gestação ou congelados há mais de três anos, cuja probabilidade de gerar um ser humano é praticamente zero. A lei prevê ainda que os embriões só possam ser utilizados após autorização dos genitores. Portanto, aqueles que tiverem qualquer restrição de ordem moral ou religiosa não terão seus embriões usados para fins de pesquisa. Com o passar do tempo, os embriões deterioram-se inexoravelmente, perdendo o “prazo de validade”. Por que então não utilizá-los de forma ética e responsável em benefício do futuro e da evolução da humanidade, salvando vidas?

Na prática, proibir a pesquisa com células-tronco embrionárias significará, de um lado, continuar dando aos embriões excedentes nas clínicas de fertilização um habitual e inglório destino: o lixo. De outro, tirará a esperança de cura – portanto, de vida – de milhares de pessoas.

Marcelo Gleiser chamou a atenção para o fim mais digno que pode ter um embrião condenado à destruição. Por que não participar de uma pesquisa que tem o potencial de salvar milhões de pessoas? A escolha parece semelhante, ao menos em parte, à dos que doam seus órgãos para transplantes. Ao menos partes de seus corpos poderão ajudar aqueles em necessidade, em vez de apodrecerem sob a terra ou de serem cremadas.

A questão do uso de embriões decretados inviáveis para reprodução na pesquisa médica deve ser separada da questão religiosa. A missão da ciência é aliviar o sofrimento humano. A da religião também. A única inconstitucionalidade aqui é ir contra os votos dos representantes do povo e impedir que essa missão seja cumprida.

Neste aspecto, a advogada da ONG Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero) Gabriela Rollemberg foi ao Supremo e entregou no gabinete dos 11 ministros uma pesquisa sobre a legislação de 25 países na realização de pesquisas com células-tronco embrionárias. Somente a Itália usou o veto ao uso de embriões.

Em minha opinião o Brasil não pode se ausentar desse grupo, até porque já desenvolve pesquisas que o coloca em pé de igualdade e desenvolvimento.

Para os manifestantes contrários a essa permissão, o uso de células-tronco embrionárias fere o direito à vida. "Nós partimos de um princípio fundamental, o direito inviolável da vida, e essa vida para nós tem início na fecundação, porque, a partir da fecundação, nós temos já definido todo o DNA do ser humano que irá se desenvolver", diz Lopes.

Esses grupos também reiniciaram mobilização. Eles pretendem "abraçar" o STF na manhã de hoje e chamaram audiência pública na Câmara dos Deputados para a tarde, com a apresentação de pesquisa sobre a viabilidade de embriões congelados e comentários sobre o relatório de Britto. Também planejam fazer vigília na frente do tribunal na quarta-feira.

Apesar de contrária ao uso dos embriões, Cláudia Batista, da UFRJ, acredita que, sem um acontecimento "fora do esperado", a decisão deve ser pela liberação. Contudo como nós, brasileiros, já estamos cansados de ver votações contrárias ao interesse do desenvolvimento. Eu particularmente não me surpreenderia se decisão fosse a favor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin).

Só nos resta esperar para ver.

Leia mais no link abaixo:

http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI472268-EI1434,00.html

http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2008/05/27/temporao_defende_pesquisas_com_celulas-tronco_embrionarias-546529787.asp

http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?602

http://www.celula-tronco.com/noticias.php?codigo=45

http://www.cib.org.br/apresentacao/cel_tronco_doc_alexandra.pdf

http://www.ghente.org/temas/celulas-tronco/index.htm

http://www.brasilescola.com/biologia/celula-mae2.htm

http://www.comciencia.br/reportagens/celulas/01.shtml

http://www.celula-tronco.com/

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u378546.shtml

http://www.youtube.com/watch?v=pTrwVJ7ctFQ

http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/biologia/bio10b.htm


25 agosto 2006

DARWINISMO X CRIACIONISMO

Por Rogério Silva

Como diz o anedotário, cinco judeus mudaram o rumo do mundo. Primeiro Moises quando disse que tudo é a lei; depois veio Jesus e disse: tudo é o amor; Marx afirmou: tudo é o capital; Freud garantiu: tudo é o sexo e Einstein definiu: tudo é relativo.

Relativo ou não, alguns segmentos da sociedade preferem permanecer na Época em que Copérnico mostrou que a Terra não era o centro do universo, e que ela era somente um dos milhões de minúsculos pontos no sistema cósmico, cuja amplitude não se podia mensurar. A prova disso é que o Alemão Papa Bento XVI, convocou para o início de setembro uma reunião privada sobre o tema "a criação e a evolução" (Folha online de ontem) em sua residência de verão de Castelgandolfo. Segundo ele o darwinismo, teoria que estabelece que a espécie humana é fruto de uma longa evolução, é contestada pelos criacionistas, que entendem ao pé da letra a narrativa bíblica da criação do mundo por Deus.

Os criacionistas são particularmente ativos nos Estados Unidos, onde buscam impor o ensino da teoria nos livros escolares.

Mas Freud é novamente o pioneiro quando nos dá conta de que a humanidade sofreu três reveses ou, como ele dizia, três feridas narcísicas. A primeira ferida foi quando Copérnico mostrou que a Terra não era o centro do universo, a segunda, quando Darwin trouxe novas luzes ao desenvolvimento das espécies, mostrando a origem do homem a partir do reino animal. A terceira ferida narcísica foi infligida com a descoberta do próprio Freud de que a consciência não é o centro da razão humana, mas o resultado de uma infinidade de processos inconscientes dos quais ela mesma não se dá conta.

Se considerarmos que a igreja levou quase quinhentos anos para questionar a segunda ferida narcísica, é provável que leve outros tantos para dizer que a consciência não é o centro da razão humana. Até lá eu, você, Freud e outros seres pensantes do mundo, poderemos dormir tranqüilamente.

25 junho 2006

PROJETO ANIMAL

Marcelo Leite

Todo dilema ético verdadeiro envolve uma escolha entre dois bens

A Câmara Municipal do Rio de Janeiro deve decidir nesta semana ou nas próximas o destino de um projeto de lei imaginável somente num país refratário à discussão racional. O tema é relevante: experimentação com animais. O propósito, também: resguardá-los de sofrimento. A proposta, não: proibir todas as formas de vivissecção, "assim como o uso de animais em práticas experimentais que provoquem sofrimento físico ou psicológico".

Artigo publicado na integra no caderno de Ciência da Folha de São Paulo de 25/06/2006.

Visite o Blog Ciencia em dia. cienciaemdia.zip.net

Conta o anedotário popular que um certo vereador do interior do Brasil propôs um projeto que fizesse subir a água de um rio na montanha, sem dispêndio econômico e de energia. Foi advertido dessa impossibilidade por causa da lei da gravidade e ele disse: a gente revoga essa lei.

Cláudio Cavalcanti não se deu conta de que se o seu projeto de lei tivesse um efeito retroativo secular e mundial, ele talvez não tivesse existido ou não estivesse mais vivo hoje para propor essas bobagens , pois houve época em que se morria muito cedo por diversas causas. A longevidade e a qualidade de vida têm sido aumentadas no mundo inteiro, graças aos avanços das ciências que utilizam animais em suas pesquisas.

Não se pode simplesmente revogar ou propor, irresponsavelmente, leis que marchem no sentido contrário ao desenvolvimento científico, social e tecnológico. O que ele propõe neste lugar?

Por Rogério Silva

27 maio 2006

ORIGEM DO VIRUS DA AIDS É DESCOBERTA

Notícias

26/05/2006

Agência FAPESP - Tudo indica que o cerco chegou ao fim, para pelo menos dois dos três tipos identificados até hoje de vírus HIV. A variedade M, como mostra artigo publicado na revista Science desta sexta-feira (26/5), a mais letal de todas, espalhou-se pelo mundo a partir de chimpanzés que habitam áreas remotas da selva africana, em território camaronês.

Para construir a filogenia do vírus causador da Aids, um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos, Camarões e Europa analisou 599 amostras fecais de Pan troglodytes troglodytes, uma subespécie de chimpanzés, obtidas em dez pontos diferentes de uma floresta.

No material analisado, os cientistas encontraram anticorpos do vírus SIV, que deu origem ao HIV. É a primeira vez que esse tipo de microrganismo é detectado na natureza. Até hoje, os poucos casos haviam sido registrados em macacos capturados.

Pelas análises genéticas apresentadas agora, os grupos HIV-1 M, N e O, todos surgidos a partir do SIV, foram transmitidos aos humanos de forma independente. Essas ransmissões teriam ocorrido já no início do século 20.

O grupo M, responsável pela pandemia da Aids existente hoje no mundo, começou a se espalhar pelo rio Sangha, em Camarões, e depois para o Congo. Essa linhagem até hoje também continua nos macacos. Em algumas localidades estudadas pelo grupo, a contaminação chegou a ser de 35%.

A linhagem N do vírus não obteve o mesmo sucesso da primeira. Segundo os dados do trabalho ela continua restrita à população humana que vive em Camarões. A única incógnita, que ainda persiste, é sobre o reservatório original do vírus do grupo O.

Os pesquisadores que fizeram a filogenia dos vírus da Aids acreditam que não existe outra linhagem potencialmente perigosa que possa aparecer em algum momento no futuro e seguir o mesmo percurso feito pela linhagem tipo M. Isso mesmo com a diversidade genética apresentada pelo microrganismo em território africano.

O artigo Chimpanze reservoirs of pandemic and nonpandemic HIV-1, de Brandon Keele, da Universidade do Alabama, e colaboradores, pode ser lido por assinantes da revista Science, em www.sciencemag.org http://www.sciencemag.org"