Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada:
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
Felicidade de Vicente de Carvalho
Disfarça a pena de viver, mais nada:
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
Felicidade de Vicente de Carvalho
Por Rogério Silva
Alguém me pediu para definir o que é felicidade. Respirei fundo, porque é preciso fôlego para uma tarefa tão árdua. É que a felicidade é sempre tomada de forma apressada como se fosse algo que estivesse num escaninho. Precisou, vai lá e busca. Ela está lá, sempre pronta e segura. Pode ser usada por qualquer um. Não tem contra indicação. Use e abuse.
Ao que parece é assim que a psiquiatria trata essa questão. Recebi por e-mail um texto de Richard A. Friedman, publicado no The New York Times. No artigo: “Autoconhecimento pode não trazer felicidade” ele sugere um pouco disso. Ao afirmar que, para muitos terapeutas, o autoconhecimento é um apanágio necessário para uma vida feliz, uma vez que a introspecção pode libertá-lo de suas manias psicológicas e promover o bem-estar.
Ele apresentou, dentre outro, um caso em que um sujeito “que tinha tudo para ser feliz”, era rico, mas fez da sua vida uma realização do desejo do pai, até que resolveu mudar o foco do desejo, militando no campo das artes que não o fazia rico, mas aí então encontrou A felicidade.
No final do texto Friedman se diz ser muito bom em tratar a tristeza clínica com remédios e terapia, mas admite que trazer felicidade é algo além. Talvez a felicidade seja um pouco como a auto estima. Acredita que tanto felicidade quanto auto estima requerem esforço. Pois, é impossível obter uma infusão de qualquer uma delas com um terapeuta.
Viva a psiquiatria! Que bom que existe uma farmacopéia...!
Há um texto, que volta e meia me reporto a ele, Alegria e felicidade na psicanálise de Emmanuel Carneiro Leão que proferiu uma aula inaugural na Formação Freudiana, ainda no século passado, em março de 1999.
Nesse texto Emmanuel enfatiza a necessidade do homem em diferenciar-se, num projeto, um vir a ser. Algo que a meu ver, implica num autoconhecimento. Para ele: “É esse escamotear-se, esse esconder-se do obscuro, do profundo, na superficialidade e na clareza, que marca sempre de novo os esforços, as investigações, as discussões do conhecimento. Do conhecimento humano, do que é que é o seu esforço e seu empenho por ser feliz e alegrar-se.”
“Envelheci na miséria e no opróbrio, não tendo mais que a metade do traseiro, e sempre a lembrar-me de que era filha de um papa; cem vezes quis matar-me, mas ainda amava a vida. Essa ridícula fraqueza é talvez um dos nossos pendores mais funestos: pois haverá coisa mais tola do que carregar continuamente um fardo que sempre se quer lançar por terra? Ter horror à própria existência e apegar-se a ela. Acariciar, enfim, a serpente que nos devora, até que nos haja engolido o coração?” É assim que a filha de um papa tomada como escrava relata o seu infortúnio em Candido ou o otimismo de Voltaire.
A morte é talvez a pior tragédia que um ser humano pode suportar, porque ela fala do imponderável, do irreparável e do indizível. Todos nós sabemos que nascemos e morremos, mas que somente as nossas idéias podem permanecer, já que o corpo desaparece.
Falar da morte, não é necessariamente falar da tristeza, embora esses atributos sejam, quase sempre, encontrados juntos. Ela deixa no lugar da vida, a perda e o vazio. A perda muitas vezes está ligada a tristeza que seria tomada como o negativo em uma determinada vivência, o que muitas vezes pode ser entendido como o desamparo a que todos os humanos estão sujeitados, desde sempre.
Além disso, muitas vezes nós sentimos uma tristeza, sem nos dar conta da origem do que nos faz triste. A alegria tomada aqui como simétrica da tristeza seria apenas o seu oposto. Contudo, no nosso dia a dia, deparamos com situações onde a interpretação do cotidiano nos leva a uma pluralidade de afetos que produz alegrias e tristezas ao mesmo tempo.
Essa ambivalência pode ser entendida como resultado do estado de ânimo. Em última instância, refere-se a aquilo que atravessa o nosso corpo.
Contrariamente a esse estado de ânimo, que tem por característica a passividade, ser ou estar feliz, implica numa atividade do sujeito. A felicidade, para ser atingida depende de um encontro, que pode ser entendido como a nossa capacidade de "alegrar-se". Alegrar-se, toda via, deriva do sofrimento que nos diferencia na posta da vida. Sofrimento que, tomado como positividade na experiência do humano, pode ser transformado em felicidade.
Aceitar o desamparo como fatalidade tem como conseqüência diminuir a busca da felicidade de viver, porque o desamparo é uma experiência que não deixa vigorar nada que tenha a possibilidade de dar satisfação e por isso mesmo, impede o processo de diferenciação. Entende-se aqui por processo de diferenciação a capacidade de alegrar-se.
No trabalho de análise, o analista não tem, a priori, nenhuma solução para o sofrimento. O que está recalcado e por isso mesmo irreconhecido, se expressa como sintoma e acha lugar para uma tolerância quanto ao estado da enfermidade. Mas, com Freud aprendemos que se esta nova atitude em relação à doença intensifica os conflitos e põe em evidência os sintomas que até então haviam permanecidos vagos, poderíamos facilmente consolar o paciente mostrando-lhe tratar-se apenas de agravamentos necessários, porém temporários. Todavia é preciso ter paciência para ouvir aquilo que se repete, se repete, se repete... e esperar que num tempo outro se faça a diferenciação capaz de produzir uma possibilidade de ser feliz.