08 fevereiro 2011

FELICIDADE

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada:
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

Felicidade de Vicente de Carvalho



Por Rogério Silva

Alguém me pediu para definir o que é felicidade. Respirei fundo, porque é preciso fôlego para uma tarefa tão árdua. É que a felicidade é sempre tomada de forma apressada como se fosse algo que estivesse num escaninho. Precisou, vai lá e busca. Ela está lá, sempre pronta e segura. Pode ser usada por qualquer um. Não tem contra indicação. Use e abuse.

Ao que parece é assim que a psiquiatria trata essa questão. Recebi por e-mail um texto de Richard A. Friedman, publicado no The New York Times. No artigo: “Autoconhecimento pode não trazer felicidade” ele sugere um pouco disso. Ao afirmar que, para muitos terapeutas, o autoconhecimento é um apanágio necessário para uma vida feliz, uma vez que a introspecção pode libertá-lo de suas manias psicológicas e promover o bem-estar.

Ele apresentou, dentre outro, um caso em que um sujeito “que tinha tudo para ser feliz”, era rico, mas fez da sua vida uma realização do desejo do pai, até que resolveu mudar o foco do desejo, militando no campo das artes que não o fazia rico, mas aí então encontrou A felicidade.

No final do texto Friedman se diz ser muito bom em tratar a tristeza clínica com remédios e terapia, mas admite que trazer felicidade é algo além. Talvez a felicidade seja um pouco como a auto estima. Acredita que tanto felicidade quanto auto estima requerem esforço. Pois, é impossível obter uma infusão de qualquer uma delas com um terapeuta.

Viva a psiquiatria! Que bom que existe uma farmacopéia...!

Há um texto, que volta e meia me reporto a ele, Alegria e felicidade na psicanálise de Emmanuel Carneiro Leão que proferiu uma aula inaugural na Formação Freudiana, ainda no século passado, em março de 1999.

Nesse texto Emmanuel enfatiza a necessidade do homem em diferenciar-se, num projeto, um vir a ser. Algo que a meu ver, implica num autoconhecimento. Para ele: “É esse escamotear-se, esse esconder-se do obscuro, do profundo, na superficialidade e na clareza, que marca sempre de novo os esforços, as investigações, as discussões do conhecimento. Do conhecimento humano, do que é que é o seu esforço e seu empenho por ser feliz e alegrar-se.”

“Envelheci na miséria e no opróbrio, não tendo mais que a metade do traseiro, e sempre a lembrar-me de que era filha de um papa; cem vezes quis matar-me, mas ainda amava a vida. Essa ridícula fraqueza é talvez um dos nossos pendores mais funestos: pois haverá coisa mais tola do que carregar continuamente um fardo que sempre se quer lançar por terra? Ter horror à própria existência e apegar-se a ela. Acariciar, enfim, a serpente que nos devora, até que nos haja engolido o coração?” É assim que a filha de um papa tomada como escrava relata o seu infortúnio em Candido ou o otimismo de Voltaire.

A morte é talvez a pior tragédia que um ser humano pode suportar, porque ela fala do imponderável, do irreparável e do indizível. Todos nós sabemos que nascemos e morremos, mas que somente as nossas idéias podem permanecer, já que o corpo desaparece.

Falar da morte, não é necessariamente falar da tristeza, embora esses atributos sejam, quase sempre, encontrados juntos. Ela deixa no lugar da vida, a perda e o vazio. A perda muitas vezes está ligada a tristeza que seria tomada como o negativo em uma determinada vivência, o que muitas vezes pode ser entendido como o desamparo a que todos os humanos estão sujeitados, desde sempre.

Além disso, muitas vezes nós sentimos uma tristeza, sem nos dar conta da origem do que nos faz triste. A alegria tomada aqui como simétrica da tristeza seria apenas o seu oposto. Contudo, no nosso dia a dia, deparamos com situações onde a interpretação do cotidiano nos leva a uma pluralidade de afetos que produz alegrias e tristezas ao mesmo tempo.

Essa ambivalência pode ser entendida como resultado do estado de ânimo. Em última instância, refere-se a aquilo que atravessa o nosso corpo.

Contrariamente a esse estado de ânimo, que tem por característica a passividade, ser ou estar feliz, implica numa atividade do sujeito. A felicidade, para ser atingida depende de um encontro, que pode ser entendido como a nossa capacidade de "alegrar-se". Alegrar-se, toda via, deriva do sofrimento que nos diferencia na posta da vida. Sofrimento que, tomado como positividade na experiência do humano, pode ser transformado em felicidade.

Aceitar o desamparo como fatalidade tem como conseqüência diminuir a busca da felicidade de viver, porque o desamparo é uma experiência que não deixa vigorar nada que tenha a possibilidade de dar satisfação e por isso mesmo, impede o processo de diferenciação. Entende-se aqui por processo de diferenciação a capacidade de alegrar-se.

No trabalho de análise, o analista não tem, a priori, nenhuma solução para o sofrimento. O que está recalcado e por isso mesmo irreconhecido, se expressa como sintoma e acha lugar para uma tolerância quanto ao estado da enfermidade. Mas, com Freud aprendemos que se esta nova atitude em relação à doença intensifica os conflitos e põe em evidência os sintomas que até então haviam permanecidos vagos, poderíamos facilmente consolar o paciente mostrando-lhe tratar-se apenas de agravamentos necessários, porém temporários. Todavia é preciso ter paciência para ouvir aquilo que se repete, se repete, se repete... e esperar que num tempo outro se faça a diferenciação capaz de produzir uma possibilidade de ser feliz.

6 comentários:

Luiz Carlos Barros Caldas disse...

Rogério,
De tudo que vivi, escrevi, observei em mim e no contexto, resumi em um poema que agora nem lembro o título, onde dizia que a felicidade é a paz!
Devem haver diversas, diferentes formas de felicidade mas no meu resumo, a conclusão foi a citada e a busco no labor da intensidade existencial do cotidiano.
Ia colocar esse texto no blog mas me atrapalhei e resolvi sintetizar aqui meu sentir: "A felicidade é a paz!"
Abs,
LUIZ

claudio barcellos de paula couto disse...

CARO ROGERIO ......................

COMO AS COISAS SE SUCEDEM SURPREENDENTEMENTE ! AO TEMPO EM QUE VIA A TUA MENSAGEM À PROPÓSITO
DE ALGO TÃO PROFUNDO COMO A FELICIDADE EXISTENCIAL ..... BASEADA NA CIENCIA PSICANALITICA
(DIG-SE,DE PASSAGEM,QUE NESSE TERRENO,SOU UM MERO CURIOSO) , DEPAREI COM ALGO, NÃO PARECIDO, MAS BEM
SUGESTIVO À PROPÓSITO DO ASSUNTO .
CLARO....´É UMA OUTRA ABORDAGEM E NÃO TEM FUNDAMENTO CIENTIFICO; CONTUDO, A MEU JUIZO, NÃO É MENOS RESPEITÁVEL
TRATA-SE DE UM CONTEÚDO EXTRAIDO DA SABEDORIA DA TOTALIDADE DA VIDA (UNICIDADE OU DUALUDADE, NÃO IMPORTA).
NESSE PONTO, ACHO QUE A CIENCIA FALHOU AO NÃO VISUALIZAR O SER HUMANO EM SUA TOTALIDADE RAZÃO + EMOÇÃO (CORPO E ESPIRITO).É O QUE EU PENSO ! NÃO ME REFIRO SIMPLESMENTE AO PENSAMENTO MECANICISTA a +b = c , MAS,
QUEM SABE,A CONSIDERAÇÃO DA EQUAÇÃO 2 + 2 = 5 QUE É A TEORIA DA CONTRADIÇÃO ! ELA É A EXPRESSÃO
DE UM MUNDO QUE SUGERE ALGO MAIS TRANSCENDENTE.
ABSURDO ? O UNIVERSO CONTINUA A SER UM ENORME DESAFIO ! É COMO SE DIZ : HÁ MAIS MISTÉRIOS ENTRE O CÉU E A TERRA ALÉM DO QUE PODE ALCANÇAR A NOSSA VÃ FILOSOFIA ! O MAIS É POR CONTA DA ARROGÂNCIA E PREPOTENCIA HUMANA.
O QUE SOMOS NÓS AFINAL SENÃO ATOMOS PERANTE A GRANDIOSA CRIAÇÃO. PENSO QUE O QUE NOS DIFERENCIA, DEFINITIVAMENTE, É O NOSSO PODER (?) DA CONSCIÊNCIA . PENSO LOGO EXISTO.... E SINTO !
UM GRANDE ABRAÇO DO CLÁUDIO

Rogério Silva disse...

Querido Claudio
Como engenheiro, sei que és bem concretista. O pensamento matemático atua como uma lógica quase numérica, contudo percebo o cuidado e o carinho com que me dedicaste esse PPS
Se a ciência falha, é porque o ser humano falha.
Quem somos nós para consertar o que achamos que falhou.
Há um ponto em que a humanidade acertou, a meu ver, na capacidade de sermos diferentes.
Nesse ponto estou contigo e cada um de nós pode contribuir com seus credos e suas verdades, por mais incompreensíveis que pareçam.
O caminho da consciência é muito árduo porque nos leva ao âmago de nossas profundezas.
Tomei a liberdade de publicar o seu comentário no blog. Pena que nem todos possam ver o PPS, mas enfim...
Um grande abraço de Rogerio

Anônimo disse...

Se a pessoa consegue fazer de cada momento de sua vida, de cada ação, de cada tarefa profissional, de cada dia; uma sensação plena de felicidade e realização, elas vão existir sempre, mesmo que o mundo á sua volta esteja desmoronando através da infelicidade alheia. Daí a encontrar a felicidade no amor, na carreira, com os amigos ou dentro de seus próprios momentos de solidão, é só uma questão de vivencia-la plenamente, em momentos simples ou em encontros sofisticados com quem você ama.
Moa Peraccini

selma monteiro disse...

Oi Rogério, ah quanto tempo! - AH, INTERJEIÇÃO MESMO -.De surpresa diante deste mundo que me é oferecido pelas suas palavras, tão bem colocadas, a respeito deste assunto - FELICIDADE -. Gostaria de colocar algo a respeito da felicidade como sendo uma utopia e que assim sendo, como você colocou o poema de Vicente de Carvalho, nós estamos sempre tentando alcançá-la. Aí está o valor da utopia: nos leva a caminhar.
Talvez em busca do nada, mas sempre encontramos, neste percurso, algo ou alguém, ou quem sabe, nós mesmos, perdidos nestes caminhos de nossas existências tão finitas, surpreendentes e desafiadoras.










GO

Anônimo disse...

Tenho uma singela teoria em que a felicidade não é constante, temos momentos felizes e tristes, os outros são absorvição de informação para o cérebro usar depois, mas reconheço que a felicidade pode ser difícil de encontrar em qualquer situação, belo post ! www.studiobblog.blogspot.com