Mario Sergio pergunta
Bom Dia, Dr. Rogério, espero que esteja bem
Já enviei essas questões, mas como não obtive resposta, estou reenviando.
Devo me formar ano que vem em psicologia, escolhi psicanálise freudiana, tenho lido alguns livros sobre transferência, resistência, contratransferência, reconstrução, manejo de transferência, interpretação, etc., mas gostaria de entender mais sobre tudo isso. Apesar das leituras que tenho feito, ainda não consigo idealizar, visualizar essas idéias. Já estou estagiando. Passei por 8 anos de análise, dei uma parada e voltei. Nesta continuação, conheci outra analista que é diferente da minha anterior e ainda estou me adaptando.
Dentre as questões acima, também sempre me questiono em porque não é possível uma auto-analise, ou como diria Freud, a auto-analise pressupõe uma não-neurose, portanto, não haveria o que analisar ou, para dizer o oposto, a análise pressupõe que haja uma neurose de transferência, demanda etc., mas como auto-análise o sujeito está só, não haveria essa neurose. Não consigo ainda entender (apesar de estar fazendo) a necessidade de um OUTRO para haver analise, para dissipar os conflitos. Será realmente que, dentro da experiência de analise e mais dos conhecimentos adquiridos, não é possível uma auto-analise? Será que o conhecimento não nos daria uma capacidade de auto-interpretação e autoconstrução? Às vezes me pego imaginando como é a experiência de um psicanalista fazendo analise.
Por último, com relação à mudança ou transformação, ou seja, lá qual for o nome dado, elaboração, perlaboração, enfim. A partir de quando, em que momento é possível percebê-la ou senti-la? Eu já tenho noções sobre a parte da minha infância que gerou os momentos que estou passando, das atitudes repetidas, da angústia de separação, dos medos, conheço formas de interpretação, a construção já está sendo feita dentro das idéias e dos conceitos descobertos, então, afinal, como se daria essa mudança, crescimento?
Tenho lido sobre inscrição da pulsão, simbolização etc. Será que, sabendo alguns fatos da minha vida infantil, sabendo que estou repetindo e o que estou repetindo, não consigo elaborar isso?
Obrigado pela atenção, mais uma vez, um abraço
Freud Explica responde
Em primeiro lugar quero lhe pedir desculpa, por que tive um problema com a minha pasta e perdi o seu e-mail. Não tive como me conectar com você.
As questões que você apresenta são bastante profundas e densas para serem respondidas em um blog. Deixarei algumas indicações que reputo de relevância para a sua formação.
A escolha pela psicanálise num curso de graduação como o de Psicologia, indica, a meu ver, uma escolha que impõe um curso de formação. Freud já defendia a Idea de que para ser psicanalista era necessária uma formação especifica. Existem hoje no Brasil muitos cursos que oferecem formações com diversas orientações. Como você escolheu a orientação freudiana eu gostaria de lhe indicar a Formação Freudiana, com sede no Rio de Janeiro. Caso você resida em outra cidade eu poderia procurar uma indicação para esse fim.
A formação teórica é apenas um dos aspectos que constitui a formação do analista. Os outros dois são: a análise pessoal, que você já retomou, e a supervisão clínica advinda da prática.
Você fala que está estagiando. Pressuponho que seja numa unidade de atendimento psicanalítico, já que você escolheu a psicanálise. Se meu pressuposto estiver correto, acredito que já foram dados os passos mais importantes para a formação do analista.
A questão da auto-analise aparece num trabalho de Yeda Alcide Saigh para a revista Psychê — Ano XI— nº 20 — São Paulo — jan-jun/2007 — p. 117-128 “Freud iniciou sua auto-análise de maneira ocasional e fragmentada em 1890, baseado fundamentalmente na interpretação dos próprios sonhos, lembranças, lapsos e esquecimentos. No verão de 1897, ele levou adiante sua auto-análise de uma maneira mais rigorosa e sistemática. O método que utilizava era a associação livre, defrontando-se com períodos de muita resistência. Freud explorou-se a si mesmo continuamente, e converteu-se no mais informativo de seus pacientes. Para seu trabalho ele não contava com predecessores nem mestres, e à medida que avançava teve de inventar, ele mesmo, as regras pertinentes. O “primeiro” sempre é transgressivo e diferente de todos os demais. O fundador da psicanálise submeteu-se ao que só depois ele criaria. A psicanálise não existia antes de Freud: o primeiro psicanalista não teve, nem poderia ter tido analista que o analisasse.
Embora tenha feito ele mesmo sua análise, Freud tinha um interlocutor médico: seu mais íntimo amigo, Fliess, otorrinolaringologista bem-sucedido, de 29 anos, que morava em Berlim. As cartas de Freud a Fliess representam o grupo de documentos de maior importância para acompanhar Freud nas primeiras descobertas do que veio a ser conhecido como Psicanálise. “Essa correspondência abrange um período de dezessete anos, durante o qual ele escreveu, dentre outros trabalhos, o famoso caso clínico de Dora (1905) e A interpretação dos sonhos (1900-1901).”
Transferência, resistência, contratransferência, reconstrução, manejo de transferência, interpretação, são, dentre outros, conceitos da psicanálise que poderão ser encontrados nas mais diversas bibliografias incluindo as obras de Freud.
No livro Freud: “A trama dos conceitos” pela Editora Perspectiva, Renato Mezan esquadrinha os conceitos freudianos à luz da filosofia. Mezan aponta nos textos freudianos uma provocação e um desafio. Provocação pela radical novidade do que dizem e desafio pela complexidade e sutileza com que o novo campo é observado e mapeado resultando num conhecimento que “perturba a paz do mundo e o sono dos homens”.
Finalmente você quer informação sobre como se dá a mudança ou transformação e se o nome usado é perlaboração. Para isso você cita suas próprias experiências. Talvez fosse interessante você deixar isso a cargo de seu analista e procurar entender a teoria sem se preocupar muito se ela cabe ou não na sua historia de vida.
No Vocabulário de Psicanálise de Laplanche e Pontalis você encontrará o verbete perlaboração com sendo um processo pela qual a analise integra uma interpretação e supera as resistências que suscita. Ou seja, consiste num trabalho psíquico que permite o indivíduo aceitar certos elementos recalcados e libertar-se da influencia dos mecanismos repetitivos.
Segundo Melanie Klein, a nossa experiência quotidiana confirma constantemente a necessidade de perlaborar: é assim que vemos pacientes que em determinada fase, adquiriram insight, recusarem o mesmo nas sessões seguintes; às vezes, até parecem ter esquecido que alguma vez o tenham feito seu. Só tirando as nossas conclusões do material, tal como reaparece em diversos contextos, e interpretando-o adequadamente, ajudamos progressivamente o paciente a adquirir insight de forma mais duradoura.
Espero ter fornecido bastante argumento para que você procure um bom lugar para a sua formação e que tenha sucesso neste empreendimento.
Um comentário:
Dr. Rogério,
estou cursando o sexto período de e acompanho o seu blog há algum tempo. Admiro muito o trabalho que o senhor realiza, orientando e esclarecendo questões aos que se iniciam neste campo tão complexo e fascinante que é a psicanálise. Por esse motivo, gostaria da sua opinião a respeito do processo de seleçao que é realizado nas universidades para que os alunos possam participar do estágio profissional supervisionado (SPA). Desde o início do curso nao me imaginava seguindo outra abordagem que não a psicanálise. A partir do momento em que fui ampliando meus conhecimentos, participando de grupos de estudos de psicanálise e lendo apaixonadamente livros e mais livros, chegou o momento da entrevista para o estágio no SPA da faculdade. Foram oferecidas apenas quatro vagas para a equipe de psicanálise e imaginei que a seleçao ocorreria através de uma prova teórica. Entretanto, houve apenas uma entrevista oral em que a supervisora nos perguntou qual o motivo de termos optado pela clínica psicanalítica.
Gostaria de saber se o senhor acha possível escolher candidatos a partir desta pergunta....
Muito obrigada,
Carolina Foglietti
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