Entrevista realizada em abril de 2001, quando Alice Pereira Leal ainda era estudante de Medicina na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Alice Pereira Leal - É esperado que as pessoas passem em algum momento da vida por algum tipo de crise, seja ela acidental ou evolutiva. Ao se verem em crise, tais pessoas recorrem a um profissional (na maioria das vezes) buscando ajuda?
Rogério - Esta pergunta precisa ser respondida em duas partes, porque eu entendo que a segunda parte, não está necessariamente ligada à primeira.
Se pensarmos do ponto de vista evolutivo, podemos exemplificar a adolescência que é um período da vida onde, mais ou menos, todos nós o vivemos como se fosse um período de crise. Evoluir ou crescer, tanto do ponto de vista físico, quanto psíquico, implicou para nós alguma dor, e não foi necessariamente obrigatória à intervenção de um profissional, que somente comparecerá quando uma demanda se fizer necessária.
Na segunda parte eu diria que nem sempre as pessoas procuram uma ajuda profissional quando estão em crise, seja por ignorância, seja por preconceito, religiosidade ou outro motivo qualquer, o que é ruim. Não é fácil para a pessoa comum reconhecer a sua própria crise.
Alice - Como é lidar com pessoa em crise e fazer disso uma profissão? Qual a postura a ser adotada diante de uma pessoa com conflitos internos?
Rogério - Se constituir, psicanalícamente falando, significa ter uma formação que minimamente possa ter passado pela formação teórica, uma análise pessoal e uma supervisão clínica. O psicanalista, é via de regra, chamado quando já se esgotaram as vias médicas e/ou religiosas sem que o paciente apresentasse uma remissão dos sintomas apresentados. A postura do Psicanalista diante de um paciente em crise, quaisquer que sejam as circunstâncias, deve ser, em primeiro lugar de acolhimento para que a crise encontre um lugar de fala e de escuta, em seguida propiciar que a transferência inaugure o "encontro" entre analista e paciente para que o tratamento aconteça. Daí a conseqüência depende do tempo de investimento pessoal.
Alice - Na sua opinião, qual a melhor maneira de proceder: buscar a fonte (causa) do problema, se aprofundando dessa forma na crise ou buscando resgatar aquilo que há de saudável e prazeroso, como interesses e desejos?
Rogério – Não existe melhor maneira, existem maneiras, tais ou quais e Freud nos ensinou à exaustão que as duas formas são desejadas, entendendo que ambas podem nos levar ao fracasso se não forem considerados outros aspectos inerentes á clínica psicanalítica, como a questão da transferência. Contudo, em "Inibições, Sintomas e Angústia" de 1926, "O Problema Econômico do Masoquismo" de 1924, dentre outros artigos, ele procurou afirmar que se a Psicanálise não serve para a vida não serve para mais nada.
Alice - Há semelhança entre os determinados casos e a conduta a ser adotada, ou seja, uma linha de raciocínio a ser seguido de acordo com as queixas ou cada caso é um caso e a conduta é específica para cada paciente?
Rogério - Muitos psicanalistas ficam buscando confirmação de suas teorias em sua escuta. Por aí, pensam encontrar pistas acerca da verdade de seus pacientes, porém não nos basta o apelo a uma origem para os sintomas, sua localização estrutural, temos de levar em conta que os psiquismos são emergenciais, portanto, se fazem desde lugares bastante diferenciados.
Contudo, observamos entre os psicanalistas, buscas identitárias do que somos, se “freudiano”, “lacaniano”, "kleiniano" ou que outro “ano” somos. Seria isso uma tendência de tentar buscar saber o que se é? Esse enigma nunca terá uma resposta total e definitiva, mas a busca deve ser permanente e incessante para aqueles que têm a pretensão de ser analistas.
Em vez de nos dividirmos em facções, seria oportuno darmos um mergulho profundo na Psicanálise criada e desenvolvida por Freud sem perder de vista, é claro, os pós-freudianos.
Alice - As pessoas buscam mais serem ouvidas ou procuram ouvir as soluções para seus problemas?
Rogério - Vivemos na era da velocidade, onde a Internet nos conecta com diversas partes do mundo num mesmo instante e isto importa muito quando uma crise abate alguém. Quando nos procuram a primeira pergunta que nos fazem é: em quanto tempo eu vou melhorar? Será que o Senhor não poderia receitar alguma coisa que atue rápido, como um Prozac?
A minha conduta é indicar que procure um outro tipo de profissional que atenda a esta demanda da velocidade, mas se elas quiserem eu estou ali para elas serem ouvidas.
Sem dúvida, o cotidiano apresenta possibilidades outras, como: as drogas lícitas e/ou ilícitas, a religião, a auto-ajuda e as terapias diversas como saídas para as questões que a contemporaneidade nos trás. O desemprego, a globalização, o consumo de bens, o fim da utopias, as virtualidades cibernéticas e a cultura do corpo, são apenas algumas das marcas, deixadas por essa contemporaneidade, que afetam o sujeito promovendo inibições como fruto do abandono a que se sente submetido. Nesse contexto, a Psicanálise se alinha com as demais formas de enfrentamento do cotidiano, procurando entender no discurso do sujeito o que há de patológico.
Alice - Quais são os períodos da vida em que as pessoas têm maior propensão a sofrer um abalo emocional (entrar em crise)?
Rogério - Primeiramente é preciso distinguir abalo emocional de crise. No abalo emocional, um fato pode desencadear o abalo, podendo ou não determinar uma crise. Uma perda, de um ente querido por exemplo, pode determinar um abalo sem necessariamente se constituir numa crise. Contudo, Freud descreve casos em que os abalos tornam-se crises de difícil solução. Em "Luto Melancolia" de 1917 ele procurou demonstrar que quando a perda é insuportável para o eu, é como se a sombra do objeto recaísse sobre o eu, deixando-o na penumbra da morte.
Em seguida não há como determinar um período se consideramos os psiquismos como emergenciais que se fazem sempre de diversos lugares.
Alice - Como diferenciar um estado de abalo psicológico resultante de uma crise, de um caso de doença psiquiátrica? Como agir nessa situação?
Rogério - Como eu distingui na pergunta anterior, o abalo psíquico que culmina numa crise, tem na Psicanálise apoio mediante as intervenções que os Psicanalistas acharem convenientes, diante do quadro apresentado. Se o profissional entender que situação apresentada ultrapassa os limites de atuação da sua formação deverá sempre encaminhar a outras instâncias. Todo Psicanalista deve ter tido em sua formação, além de um suporte teórico, uma análise pessoal e uma supervisão que fizeram dele um profissional autônomo para decidir o seu momento e modo de ação.. O caminho a seguir, contudo, é muito árduo, solitário e difícil. Porém, o que se consegue é via de regra, muito pouco em relação aos ideais propostos pela sociedade, o que gera angústia. O que fazer então diante de tanta angústia, de tanta decepção? Se eu desse uma resposta definitiva, totalizante, estaria incorrendo num erro. Erro de propor uma receita mágica, milagrosa. Então, para que serve a Psicanálise como opção terapêutica? Se ela não promete cura, ou extirpação do “mal-estar”, para que serve? Talvez ela sirva para fazer um convite ao analisando para se voltar para si, para dentro de si mesmo. Os questionamentos e as respostas, ainda que parciais, estariam nele mesmo e não fora dele. A tarefa é árdua para aqueles que pretendem trabalhar nesta proposta, por que tudo o que o analisando fala tem valor. O analista tem que se despir de seus "pré-conceitos" e sabedoria, mesmo sabendo que sabe alguma coisa, e tem que saber, e se vestir de humildade a ponto de aceitar a ambivalência que é trazida por aquele que o procura. Aceitação que faz com que eles possam se escutar e se ver melhor a ponto de questionar e sentir o que escutam e o que vêem em si mesmos. Talvez esta idéia aparente um lugar comum. Contudo, lembremos que em nossos consultórios lidamos com “lugares comuns”, com o cotidiano de nossos clientes marcado por falhas, tropeços, ambivalências, sonhos, etc.
Nenhum comentário:
Postar um comentário