07 julho 2008

DEUS PODE BEBER E DIRIGIR?

Por Rogério Silva

É dever moral evitar acidentes causados pelo exagero no consumo de bebida alcoólica. É dever do Estado coibir o desatino de pessoas alcoolizadas dirigirem seus veículos; cabe-lhe puni-las segundo o rigor da lei. Como, porém, se determina esse rigor para torná-lo efetivo?

Com essa pergunta Giannotti (A lei seca e a secura do Estado, no caderno mais! da Folha de S. Paulo) tenta organizar seu pensamento sobre a questão do uso da bebida e a direção de veículos. Segundo ele bastaria que o Estado se ocupasse de suas prerrogativas para acabar de vez com o problema.

Mesmo admitido que a bebida, no caso o vinho, possa trazer algum benefício à saúde como ele o faz, um Estado forte teria condição de controlar seus cidadãos minimizando o problema.

A mídia contabiliza que 30% dos acidentes são causados por pessoas que fizeram uso da bebida alcoólica. O que fica parecendo que não beber causa mais acidente. Sabemos que não é assim, pois ai está: o mal estado das estradas, culpa do Estado; o mal estado de conservação dos carros, culpa dos cidadãos e outros fatores.

A punição parece ser sempre uma forma legitima e eficaz de coibir abusos. Será? O que sempre vejo é que quando não se quer saber, nem punir cria-se uma comissão de inquérito. Vamos apurar. Apurar o quê? Nunca temos a resposta.

Se há o infrator e há a lei, a punição sempre nos parece inevitável. Mergulhamos no mar da apuração e nada acontece. Não precisamos de lei. Temos talvez, as mais bem boladas leis do mundo.

Por que então a punição não funciona? Eu poderia estar sendo simplista ao dizer que essas leis criam dificuldades e o seu subproduto é a venda de facilidades. Um dinheirinho junto com os documentos e uns tapinhas nas costas muitas vezes acabam sendo o resultado. É que o homem no seu mais que legitimo direito à hipocrisia e arrogância se acha acima de qualquer coisa.

Tem aquele que diz assim: “eu tenho carteira há mais de trinta anos, sempre bebi e sempre dirigi e nunca causei um acidente sério.” Essa frase é exemplar para explicar alguns fenômenos. Ele não considera os acidentes que aconteceram por sua causa sem que esteja envolvido nas conseqüências. Por exemplo, ele avança o sinal e o que tinha o sinal livre breca e é tocado por outro, por trás.

Tem também, o que na sua arrogância e prepotência determina que consigo nada acontecerá. O raciocínio é mais ou menos assim: “se Deus é a imagem e semelhança do homem, Ele é a sua imagem e semelhança, logo ele é Deus.” Nessa lógica, o poder de Deus é para punir e não para ser punido.

Numa coisa eu concordo com Giannotti, chegamos a uma situação exótica. Em vez de o Estado determinar uma medida da segurança, simplesmente se isenta dessa medida e pune aquele que bebe moderadamente, ciente de seus limites e de suas obrigações sociais.

Em suma, se propõe punir a maioria para evitar que desregrados causem malefícios. Na Noruega e na Suécia, a tolerância é zero, mas eles têm lá suas razões.

Aqui, esse exagero simplesmente repete o espetáculo de violência de um Estado fraco, que encena uma força desproporcional a seus recursos simplesmente para atemorizar.

O Estado é fraco porque é feito para os fracos. Os "bobos", os "otários", aqueles que pensam no seu bem estar e no bem estar da comunidade e por isso mesmo, aceitam o seu rigor.

Um comentário:

Rogério Silva disse...

Só para exemplificar, trago Carlos Chagas na Tribuna da Imorensa de ontem: Aconteceu pior na região de Ribeirão Preto. Um padre havia acabado de rezar missa em sua paróquia, mas deveria repetir a cerimônia num distrito próximo. Deslocou-se de carro e foi parado numa blitz da Polícia Rodoviária. Submetido ao bafômetro, viu-se reprovado. Havia tomado, no altar, o sagrado e histórico copo de vinho. A partir de agora, examina a hipótese de substituir o simbólico sangue de Cristo por um copo de suco de uva. Ainda bem que não se fabrica mais o "grapete", senão alguma multinacional logo arranjaria jeito para desencadear intensa campanha publicitária nas igrejas...
Convenhamos, nesse episódio o policial agiu com bom senso, era católico praticante e dispensou o prelado. Mas se, por hipótese, pertencesse à Igreja Universal ou outra evangélica qualquer, ou se fosse agnóstico, levaria ao pé da letra a aplicação da lei? Cassar a habilitação do padre e multá-lo em mais de 900 reais por haver celebrado missa?