06 junho 2008

O MAL-ESTAR E A CORRUPÇÃO

Por Rogério Silva

"Desde que alberguemos uma única vez o mal, este não volta a dar-se ao trabalho de pedir que lhe concedamos a nossa confiança”.

Franz Kafka

Desde que o homem se reconhece como ser humano, apodera-se de tudo que está a sua volta. Como se o mundo fosse feito somente para ele. Esse egocentrismo perdura por todo processo de desenvolvimento humano, até os nossos dias.

Na medida em que cada dois humanos desejaram a mesma coisa, começou o conflito. O conflito gerou o crime. O crime gerou a lei. A lei como objeto regulador do direito individual, não poderia deixar de levar em conta as partes envolvidas. Portanto o direito teria que ser moral, para poder discernir sobre as razões da ação de cada indivíduo.

Querer algo para si é da natureza humana. Apoderar-se do que é do outro, também é da natureza humana. A questão é como harmonizar isso? Como decidir se existe o um e o outro? A sociedade alicerçada por esse paradoxo teve de construir barreiras protetoras que pudessem dar conta. As religiões também tiveram problemas com isso, desde as suas criações. Instituíram-se dogmas, mandamentos, ritos e mitos, no sentido de controle. Contudo, elas mesmas se tornaram alvo da cobiça e da disputa na tentativa de guardar o seu próprio Deus. Daí surgiram as guerras santas.

As disputas pelo poder social, religioso e até mesmo científico, fragilizaram as relações. Não é a toa que Freud, quando escreveu O Mal-estar na Cultura (1930-29), já colocava as relações humanas como a pior das tragédias que poderia acontecer ao homem, graças à hipocrisia.

A pluralidade de criações e a inventividade humana fazem com que o mundo contemporâneo flutue num mar de vulgaridade e contra-senso. A sociedade de espetáculos e os principais meios de comunicação de massa, o rádio, a imprensa escrita, a internet e a televisão, competem no campeonato da degradação humana. Todas as portas são violentadas pela grosseria e pela estupidez, pela ignorância e, principalmente, pelo e para o imediatismo.

O discurso ético não pode consistir numa série de preceitos congelados e abstratos. Deve estar investido de paixão e de entusiasmo para mobilizar corações e mentes. A moral vigente que nos deixa frios e impassíveis, só será boa para os hipócritas. O próprio Kant, com sua rígida e rigorosa doutrina moral, se concedeu um momento de lirismo. Confessou que duas coisas lhe enchiam o coração da maior admiração e respeito: o céu estrelado por cima de mim e a lei moral em mim, disse o filósofo prussiano.

O Brasil de hoje vive uma crise ética e moral sem precedentes. A cada momento vem à tona um escândalo de corrupção. Problema dos mais graves, que a sociedade contemporânea terá de enfrentar. Uma constatação triste que já foi cantada por Caetano Veloso em sua música “Podres Poderes...”.

Enquanto os homens exercem
Seus podres poderes
Motos e fuscas avançam
Os sinais vermelhos
E perdem os verdes
Somos uns boçais...

A palavra corrupção deriva do latim corruptus que, numa primeira acepção, significa quebrado em pedaços ou co+romper que é partir ou quebrar junto de e numa segunda acepção, apodrecido, pútrido. Por conseguinte, o verbo corromper significa tornar pútrido, podre. Contudo, numa definição mais ampla, corrupção política significa o uso ilegal do poder, por parte de governantes, funcionários públicos e agentes privados. Também do poder financeiro de organismos ou agências governamentais com o objetivo de transferir renda pública ou privada. De maneira criminosa, os bens públicos são desviados para determinados indivíduos ou grupos de indivíduos ligados por quaisquer laços de interesse comum. Por exemplo, negócios, localidade de moradia, contas em paraísos fiscais, etnia ou de fé religiosa.

O código de ética desencarnado de moral não basta para distinguir. É preciso destacar a moral, no feminino, de o moral no masculino. A moral significa a honestidade e os bons costumes. O moral, o espírito de luta na superação das dificuldades. O moral tem primazia sobre a moral, pois quando o moral vai alto o ser humano está em forma. Dificilmente resvala para a imoralidade. Quando o moral decai e a pessoa perde a fibra, abandona-se à inércia e deixa-se levar pela disposição da menor resistência.

Faz muito tempo que grande parte do político brasileiro perdeu o moral, o sentimento de luta, o espírito de missão cívica e patriótica. O político de hoje assalta o poder como uma nuvem de gafanhotos. Fazer política virou sinônimo de ganhar a próxima eleição, ou encher os bolsos, nada mais. Esta disposição contaminou a quase totalidade dos políticos. Se sentem hoje seres inúteis, sem tarefas a cumprir. Permanecem encerrados nas cadeias do corporativismo. Disponíveis a qualquer gesto de cooptação, venha de onde vier. Este é um político invertebrado, sem ossatura nem anatomia. É refém da mais pura fisiologia. Falta vergonha na cara desses políticos e falta indignação na opinião pública. As almas carecem da paixão intransigente de ser fiel à voz da própria razão e consciência. É a paixão incondicional que ordena fazer a coisa certa e que gera a grande indignação. Essa pertence ao político a serviço do bem público que tenta coexistir com o anterior. Só que de modo apaixonado e perseverante.

É na medida em que o político corrupto quer o que é do outro, que se fazem necessários a razão e o bom senso em favor de um mundo melhor para todos. Sempre prevalecerá a máxima de Sartre: “O inferno são os outros”.

Publicado no dia 28 de maio de 2008 no Jornal Novos Rumos de Rio Preto, MG


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