30 março 2008

SÃO PAULO NO DIVÃ

Por Rogério Silva

Quando abri o caderno mais! da Folha de S. Paulo de hoje e encontrei o artigo: São Paulo não pode parar - Psicanalista ataca a negligência das autoridades e sugere medidas simples para desafogar o trânsito na capital paulista de RENATO MEZAN. (para quem é assinante da Folha ou da UOL)

Eu pensei que encontraria um texto com alguns aspectos psicanalíticos ou filosóficos que pudessem refletir a questão. Na verdade o que encontrei foram sugestões e medidas práticas para resolver o transporte urbano de São Paulo. Imagino que a condição de munícipe se agigantou com a indignação mais do que outros aspectos; clínicos, teóricos e técnicos da psicanálise. Tenho a certeza, ele faria isso com brilhantismo.


Isso cutucou a minha veia carioca de poder tratar o assunto com um pouco de humor. Então eu pensei: e se puséssemos a Cidade de São Paulo no divã do analista?

O analista: - Em que eu posso ajudar?

- Estou completamente desanimada. Nada do que faço me satisfaz hoje em dia. Eu já tive dias gloriosos, era progressista, produtiva, politizada, sempre trabalhei duro e hoje me sinto abandonada, paralisada, amedrontada, violentada e o slogan que no apogeu era “S. Paulo não pode parar” já não vigora mais. Estou paralisada no trânsito, na saúde, na educação. A violência tomou conta de mim. Pelo que escuto dizer, devo ser a pior filha da nação hoje. Eu me sinto um lixo. Tenho vontade de morrer e às vezes, quando chove, eu sinto que chego perto disso.

- E aqueles que deveriam cuidar de você?

- Esses são os piores. Governadores, prefeitos, políticos de um modo geral, todos me tratam com a maior indiferença. Até mesmo os que aqui vivem. Não se importam se meus rios ficam poluídos e transbordam, se o transito fica engarrafado, caótico, se os pobres morrem à míngua, se os doentes são mal atendidos nos hospitais públicos, se as escolas ficam vazias por falta de professores. Eles querem esbanjar, gastam tudo em bobagens que não nos interessa e enchem os seus bolsos.

- Em suma, eles não cuidam de você.

- É isso mesmo. Teve uma época que eu mal podia respirar, por que abriam, por aqui, fábricas e mais fábricas e o céu vivia cinza. Pensei que eu fosse morrer, mas eles amenizaram e me deixaram respirar um pouco. Agora é o trânsito. O Sr. Já pensou na quantidade de carros que entra aqui por dia. Carros que são adquiridos, que entram definitiva ou temporariamente. Veja por exemplo o rodízio. Uma família que tem três pessoas, talvez um só carro bastasse, mas eles acham pouco e querem três. Mas como há o rodízio, cada um precisa de dois, portanto possuem seis. O pior é que geralmente usam os três de uma única vez.

O seu artigo de hoje está muito bem escrito, mostra uma indignação verdadeira e até dá sugestões.

- O que você quer dizer é que falta afeto.

- Isso mesmo, me lembro de alguns congressos de psicanálise que ocorreram por aqui em que falavam num tal de Freud que tinha escrito “O Mal-estar na Cultura”. Naquele texto ele falava de três grandes males que afetam a humanidade. O mal da natureza, que conheço bem quando chove ou fica muito tempo sem chover, por exemplo. Os males do corpo, as doenças. Acho que nesse quesito só perdemos para o nordeste, mas aqui sofremos muito. E o pior de todos. As relações humanas. Procurei na Wikipedia e encontrei a palavra hipocrisia que é o ato de fingir ter crenças, virtudes e sentimentos que a pessoa na verdade não possui. A palavra deriva do latim hypocrisis e do grego hupokrisis ambos significando representar ou fingir.

O cientista cognitivo Keith Stanovich fez uma carreira do estudo da hipocrisia. Ele a vê como surgindo da incompatibilidade de tais coisas como o interesse próprio e os desejos com crenças de ordem mais alta na moralidade e na virtude. As únicas pessoas que não são hipócritas são a minúscula e talvez não-existente minoria que é tão santa que nunca se entregam a seus instintos mais básicos e o grupo maior que nunca tenta viver segundo os princípios da moralidade ou virtude. Ele dessa forma defende que os hipócritas são na verdade a classe mais nobre das pessoas. François duc de La Rochefoucoult tinha expressado alguns séculos antes uma opinião semelhante quando declarou que "a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude."

Na época das eleições eles apresentam planos mirabolantes, prometem, prometem, mas fica tudo por isso mesmo.

Ainda havia o afeto. A relação de carinho ou cuidado que se tem com alguém íntimo ou querido. É esse estado psicológico que permite ao ser humano demonstrar os seus sentimentos e emoções a outro ser vivo, seja humano ou não.

Em psicologia, o termo afetividade é utilizado para designar a suscetibilidade que o ser humano experimenta perante determinadas alterações que acontecem no mundo exterior ou em si próprio. Tem por constituinte fundamental um processo cambiante no âmbito das vivências do sujeito, em sua qualidade de experiências agradáveis ou desagradáveis.

Por muitas vezes fui palco de muitos congressos desses, mas agora sou palco do desinteresse, do abandono e do desamparo.

Só Freud explica!

5 comentários:

Beatriz disse...

esse sim é um texto genial. salve o humor.

Beatriz disse...

esqueci de dizer: acho que Freud não explica, ele pergunta.
abraços

cesar kiraly disse...

risos... olá meu amigo rogério... vc é um gênio... e o mezan perdeu o gênio da juventude... adorei o texto... e obrigado pela referência hipocrisia... acho que não entendi completamente a tese: a idéia de simulação de crença é bem interessante, deixo a pergunta: toda crença não é uma simulação?

grande abraço,

cesar kiraly

Rogério Silva disse...

Agradeço os comentários.
Eu acho muito forte afirmar que TODA crença seja uma simulação. Se há a crença, não há necessidade de simular. A crença já traz em si quase a totalidade de certeza. A simulação, pressupõe uma certa dúvida e procura algo que aproxime da crença.
O que tento passar de hipocrisia é que o hipócrita simula sem a intenção de comprovação. O Hipócrita finge ter crenças, virtudes e sentimentos que na verdade não possui. O hipócrita, como os políticos (creio que a maioria), finge acreditar no que o outro acredita e faz promessas que sabe que não cumprirá. Essa é a idéia.
abs rogerio

Rodrigo disse...

Ficou muito bom!!!

Mas sabe que se fosse para diagnosticar São Paulo, diria que é esquizofrenicae querendo ou não possui pais muitos perversos...

Abraços!