Do poeta alemão HEINRICH HEINE, traduzida por Guilherme Almeida.
Eu venho consutar-lhe uma enfermidade
Que me punge doutor e martiriza
Rouba-me a razão a mocidade
Negro cancro que nunca cicatriza.
.
É a moléstia que gera a hipocondria
Mui vulgar, porém insuportável
Rouba-me sem trégua, implacável
O sossego do espírito e a alegria.
.
Vós que sois um filósofo profundo
Conhecedor do coração humano
O médico mais sábio desse mundo
Eu creio que curareis o mal insano que me atrofia a mente e esmaga
.
Eu tenho um coração que não palpita
Cabeça que não pensa e não divaga
O tédio negro me envenenou os dias
Tédio que mata, tédio que assassina
Como os beijos vendidos na orgia de uma noite intérmina
Noite libertina.
.
O sábio, meditava em face do cliente
Tem razão, o senhor está muito doente
No entanto, a moléstia estranha que o devora
Mui vulgar e comum nesses tempos de agora,
Uma grande emoção, um grande sentimento
Às vezes valem muito e operam no momento o milagre da cura
.
O tédio é uma sombra, uma fatal loucura
É a noite indefinida do humano coração
Faz esquecer a sorte, faz esquecer a vida
Faz esquecer o eu e faz lembrar a morte
.
Diga-me: nunca amou?
Nunca em sua vida um coração bateu de encontro ao seu emocionado?
Não...
Pois é preciso mover-se
Aturdir-se meu caro,
Em busca de um prazer,
De um prazer bem raro.
.
Já foi à Grécia?
Ao Oriente, a Terra Santa?
Lá onde tudo fala
E tudo canta?
.
Num passado já morto, de mortas tradições
Que amesquinham, no entanto, as novas gerações
Gastei a mocidade. Em híbridos prazeres viajei
Viajei, como um judeu errante da lenda secular
.
E dentre as mulheres que meus lábios beijaram
Numa hora delirante de loucura infernal
Nenhuma só sequer
Deixou de ser para mim uma estranha mulher
.
Desculpe meu doutor
O mal é sem remédio
Cura-se tudo
Mas não se cura o tédio
.
Vá ao circo senhor!
Talvez as liguinadas do palhaço
Que as multidões inteiras não cessam de aplaudir
Lhe arranquem a boa gargalhada e lhe façam sorrir
.
Já sei o meu doutor, que o mal é incurável!
Quem as multidões diverte a ri no Coliseu,
O riso que ele tem é um riso aparvalhado
Que a miséria encobre, um riso desgraçado
Esse palhaço sou eu.
5 comentários:
LINDÍSSIMA
Comparada com outras traduções publicadas na net, essa tradução é a mais bela de todas.
Este poema era recitado pelo meu saudoso pai à minha saudosa mãe.
E como não encontrei esta tradução na internet, resolvi registrá-la aqui,
Antes que se perca...
Tédio, Heinrich Heine
tradução de Machado de Assis
Venho doutor fazer-lhe uma consulta.
A doença que me punge e esteriliza a mocidade e o espírito
Resulta de uma chaga que nunca cicatriza.
Muito embora comum a toda gente
A de que sofro atroz hipocondria
Tanto me torna pensativo e doente
Que já nem sei o que é paz nem alegria.
Sendo o mais sábio clínico do mundo
Sois também um filósofo notável
Do peito humano auscultador profundo
Curareis este mal inexorável
Que me esmaga o organismo fibra a fibra
Que me enevoa o cérebro e o condensa
Eu tenho um coração que já não vibra
Suporto uma cabeça que não pensa.
Tédio mortal, tédio agoureiro
Que me envenena e escurece os dias
É como os beijos dados a dinheiro
Numa noite de orgia.
Refletindo, diz o médico ao cliente:
- O amigo tem razão! Padece realmente.
Contudo, a enfermidade, o morbuz que o devora
É um produto fatal do século de agora.
Uma emoção vibrante, um abalo violento
Pode curá-lo, creia, apenas num momento.
O tédio é uma mordaz, uma total loucura.
É a treva interior, a grande noite escura.
Onde se esquece tudo: a sorte, a vida amada,
O nosso próprio ser, e só se lembra o nada.
Diga-me: alguma vez amou?
Nunca em seu peito estrugiu das paixões o temporal desfeito
Como a vaga do mar que se agita e escapela
Ao soturno rumor do vento e da procela?
- Nunca doutor!
- Pois meu caro, procure a agitação constante.
Já viajou? Já visitou a Grécia? A Oceania?
O Oriente, a Terra Santa,
Os sítios onde tudo hoje evoca e decanta
As glórias de uma idade imorredoura e eterna
Que amesquinha e deslumbra a geração moderna?
- Doutor, percorri , como o Judas,
O mundo é a humanidade.
E entre as mulheres todas,
Cujas bocas beijei em bacanais e bodas
Mulher nenhuma eu vi sobre a Terra tamanha
Que para mim não fosse uma visão estranha
Como fui, voltei, sem achar lenitivo
Para este mal, doutor, que assim me traz cativo.
- Pois frequente o circo amigo.
A figura brejeira do famoso arlequim
Que a esta cidade inteira palmas e aclamações constantemente arranca,
Talvez sim lhe restitua a gargalhada franca.
- Vejo agora que o meu mal está perdido.
O truão de que falas, o palhaço querido
Que anda no coliseu assim tão aplaudido
Tem um riso de morte, um riso mascarado
Que encobre a dor sem fim do tédio e do cansaço.
Sou eu, doutor, sou eu este palhaço!
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