30 maio 2007

QUANTA COISA EXISTE E QUE NÃO PRECISO PARA SER FELIZ


Por Rogério Silva

Frei Beto numa visita à obra social de Carlinhos Brown, no Candeal em Salvador, ouviu-o contar sobre sua infância, vivida ali na pobreza, ele não conheceu a fome. Havia sempre um pouco de farinha, feijão, frutas e hortaliças. Carlinhos disse: "Quem trouxe a fome foi a geladeira".

O eletrodoméstico, segundo ele, impôs às famílias uma necessidade do supérfluo: refrigerantes, sorvetes, congelados, etc. A economia de mercado, centrada no lucro e não nos direitos das pessoas, nos submete ao consumo de símbolos. O valor simbólico da mercadoria figura acima de sua utilidade. Assim, a fome a que se refere Carlinhos Brown é inelutavelmente insaciável.


Frei Beto, marxista de “carteirinha”, não nos deixa longe de seu guru para dizer: “Marx já havia se dado conta do peso da geladeira, nos “Manuscritos econômicos e filosóficos” (1844), quando ele constatou que “o valor que cada um possui aos olhos do outro é o valor de seus respectivos bens.””.

O consumismo a que ele se refere é aquele que encontramos até meados do século passado, (que de certa forma vigora até hoje) quando nos deparamos com um novo mundo onde o consumo passa a ser mais voraz. Enquanto no Brasil o dinheiro perdia valor para a inflação, a droga (por exemplo) ganhava terreno e valor. O mundo passava agora, para uma fase não de ter ou de ser, mas para uma fase de consumir, no seu “stritu senso”, ou seja, é preciso consumir até acabar.

Com isso a vida ganhou velocidade, o que não for consumido hoje, vira lixo amanhã. Até o afeto entra nesta dança. Na “night” o “ficar” é a grande representação. A rapaziada troca de parceiros às centenas numa única noite apenas.

O avanço da tecnologia, as mudanças das relações comerciais, o aparato marginal da venda de armas e drogas e o ganho fácil no mercado de capitais e com a corrupção, deixaram um terreno fértil para tudo o que é volátil e de consumo rápido.

Antes do advento do supermercado, a relação comercial era um espaço de troca entre as pessoas e o armazém, o boteco, o açougue ou a quitanda estabelecia através do caderninho onde se anotavam as compras que seriam pagas no fim do mês. Essa prática ainda é encontrada em algumas cidades do interior onde os grandes supermercados não estão presentes.

O supermercado acabou com isso. Com suas gôndolas abarrotadas de produtos sedutoramente embalados, gera a frustração da falta de convívio que é compensada pelo consumo supérfluo. Como diria Jean Baudrillard "Nada poderia ser maior que a sedução, nem mesmo a ordem que a destrói”.

O capitalismo de tal modo desumaniza o homem, que já não somos apenas consumidores, somos também consumidos. As mercadorias que nos revestem e os bens simbólicos que nos cercam é que determinam nosso valor social.

Somos seduzidos pela internet, pelas propagandas “delivery” e a sedução ganha seu supremo canal na compra pela internet e pelo teefone. Sem sair da cadeira o consumidor faz chegar à sua casa todos os produtos que deseja.

Frei Beto, que vai com freqüência às livrarias de shoppings, ao passar diante das lojas e contemplar os veneráveis objetos de consumo, os vendedores o indagam se necessita de algo. "Não, obrigado. Estou apenas fazendo um passeio socrático", responde diante de olhares intrigados.

Então ele explica que Socrates foi um filosofo grego que viveu varios sáculos antes de Cristo. Ele também gostava de passear pelar ruas de Atenas e quando era assediado pelos vendedores como vocês, respondeia: "estou apenas observando quantas coisas existem e que eu não preciso para ser feliz".


Um comentário:

Anônimo disse...

As sextas com minhas amigas que são psicologas igual que eu, gostamos de ir a um apartamento, pedir delivery pela internet e falar durante horas sobre Freud e assuntos relacionados.