No Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741 de 01/10/2003, o artigo primeiro é destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Portanto se é idoso no Brasil a partir de 60 anos. Seria bom se somente a Lei determinasse a idade para ser idoso. Mas o nosso corpo, que não tramita no Congresso, muitas vezes nos dá esse aviso muito antes dos 60 anos. É que o relacionamento do idoso com o mundo se caracteriza pelas dificuldades adaptativas, tanto emocionais quanto fisiológicas. A sua performance ocupacional e social, o pragmatismo, a dificuldade para aceitação do novo, as alterações na escala de valores e a disposição geral para o relacionamento objetal, ficam comprometidos. O Estatuto legal tem, em si, uma ambigüidade quanto essa idade, porque nos artigos 34 e 39 verifica-se que a idade muda para 65 anos, pois envolve efeitos pecuniários, daí ser comum a confusão na idade inicial do idoso.
Darwinianamente falando, o envelhecimento, não faz parte de um programa genético universal criado para evitar a superpopulação, como muitos pensam, ou uma certa gentileza dos que nasceram antes abrindo espaço para filhos e netos. O envelhecimento surgiu nas espécies que se reproduzem sexualmente, apenas porque as forças de seleção natural estão concentradas na juventude. Com a maturidade, a pressão seletiva diminui progressivamente. Determinada característica individual persiste numa população quando ajuda seus portadores a sobreviver até a idade reprodutiva e produzir descendentes que a herdarão, só isso.
Segundo Freud, os geradores patogênicos envolvidos nos transtornos mentais do idoso seriam determinados pelo que a pessoa traz consigo para a vida e/ou pelo que a vida lhe traz. Na senilidade isso fica mais evidente, de um lado os fatores que o indivíduo traz consigo em sua constituição física e formação da subjetividade, de outro os fatores trazidos a ele pelo seu destino, ou pelas conseqüências de suas ações. O equilíbrio psíquico do idoso depende, basicamente, de sua capacidade de adaptação à existência presente e passada e das condições da realidade que o cercam.
Eu poderia escrever sobre os vários aspectos que hoje em dia encontramos na literatura sobre o assunto, como a questão da biologia, dos transtornos emocionais, da perda da função simbólica no contexto social, da lentidão da velhice frente às velocidades da contemporaneidade, a solidão ou se considerarmos que envelhecer é um absurdo, como diria Albert Camus, o suicídio seria uma solução para o absurdo. Contudo, acompanhando o trabalho de Mônica Messina e-mail:monica_messina@hotmail.com “Dimensões do envelhecer na contemporaneidade” quero comentar a perda do estatuto erogênico do corpo do velho no regime das identidades corpóreas.
Num antigo anuncio da "Suquita" (refrigerante de laranja) veiculado pela TV, o “gatão de meia idade” entra no elevador carregando um saco cheio de laranjas e encontra a garota com uma "Suquita" que o trata com um sonoro “tio”. O tratamento “tio” se coloca como uma barreira para quaisquer possibilidades eróticas e entra aqui como um estatuto. Note-se que ele traz um suéter no ombro denotando conhecimento, ao menos quanto à previsão do tempo e o saco com laranjas que denotaria as diversas possibilidades do que se faz com laranjas; laranjada, suco, doce, biscoito etc..., portanto, experiências acumuladas, enquanto ela em sua exuberância juvenil, trás apenas uma expectativa sensual e sexual. O corpo do “tio” é o corpo do velho, corpo por onde circulam os conflitos pulsionais, onde as representações recalcadas são traduzidas, por onde se expressam as emoções, os apetites e as trocas com o mundo. Corpo esse, que ao mesmo tempo é objeto de estima, mas que também é objeto e fonte de uma insatisfação permanente.
Nesse trabalho, Mônica cita Maria Rita Kehl que, fala justamente desse poder da mídia eletrônica, “as formações imaginárias se organizam em torno do eu narcísico, das identificações e das demandas de amor e reconhecimento, o existir por intermédio da imagem torna insuportável qualquer forma de exclusão. Se eu não sou visto, eu não sou“.
O velho, homem ou mulher, quando se encanta pelo jovem, é muitas vezes visto como assanhado, tarado, etc. Será que quando se envelhece não se tem mais tesão? E o tesão teria que acompanhar a idade do velho, ou seja, o velho teria que ter tesão pelo velho? O que acontece? Até pode, mas o que acontece é que o corpo do velho tem modalidades anatômicas e modalidades de encontro com outros corpos, que perde seu estatuto erogênico com a erosão natural e irreversível da velhice. A imagem que ele tem de si próprio não permanece mais assegurada. Algo em seu corpo não se equilibra mais e se destrói permanentemente enquanto sua mente permanece inquieta por viver, isto é, ser jovem. O velho passa então a vivenciar uma amarga dicotomia entre corpo e mente. Essa busca seria uma tentativa de recuperar a sua própria juventude.
Contudo, a Medicina oferece a possibilidade de retardar ou evitar o processo do envelhecimento através de suas intervenções cirúrgicas, reparadoras e/ou estéticas, ou até mesmo as perdas de algumas funções através de medicamentos. Por temer a velhice, é maior a cada dia o número de pessoas que buscam esses recursos ao perceberem os primeiros sinais da idade. Esse fato faz com que se perca um pouco o senso do que seja envelhecer, ao mesmo tempo em que produz uma nova configuração corporal, que altera a imagem do sujeito velho, sua semelhança familiar, suas características herdadas, suas marcas vitais, numa busca por substituir um traço individual por um outro idealizado diferente do seu.
Os avanços da Medicina não estariam ajudando a construir um imaginário da imortalidade? Ou, como envelhecer sem perder a dignidade?
2 comentários:
Oi, Rogério!
Interessante a forma como elabora as questões: o imaginário da imortalidade não é algo prévio aos avanços da Medicina? Ao meu ver parece que sim. Outra aspecto "curioso" que deve ser salientado é o fato de que a Medicina é feita por seres humanos que também podem, por mil motivos, estar a cata da dita imortalidade...
Não acredito que as ciências médicas estejam exclusivamente preocupadas com tal tópico, apesar de ser assunto recorrente em vários estudos (veja publicações específicas).
Quanto a evelhecer sem perder a dignidade: você estará tranqüilo o dia em que souber, para si, o que é dignidade!
[]s
Oi, Silvia Cléa
Obrigado pelo seu comentário, sem dúvida o imaginário, em si, é o grande responsável por qualquer avanço científico e tecnológico da humanidade, mas o imaginário da imortalidade tem sido o grande alimento da medicina, dos laboratórios farmacêuticos e de cosméticos do mundo. No seu comentário, a palavra exclusivamente impõe uma certa situação, pois acredito que tanto as ciências medicas, quanto os laboratórios, estão sim preocupados com essa questão dentre outras, é claro! Aliás, a medicina e química se desenvolveram na busca da juventude eterna e da criação do ouro. Enquanto isto não for possível elas vão se desenvolvendo e a humanidade é quem lucra.
Quanto a sua outra questão, em sua homenagem, publico um post com a poesia de Yeats “Quando fores velha”, que traduz o que penso.
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