31 maio 2006

REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO: "OS DESAFIOS ÀS NOVAS FORMAS DO MODO DO SER PSICANALÍTICO CONTEMPORÂNEO"

Por Virginia Portas

O primeiro ponto a ser problematizado é o próprio enunciado – as novas formas do modo do ser psicanalítico contemporâneo – que marcaria um agora contemporâneo - que implica considerar a dinâmica de um se fazer em permanente devir. A dimensão estética do novo sugere que este ganhe existência antes que sua significação possa ser explicitada ou avaliada.

Em um texto de 1918, A técnica psicanalítica, Ferenczi afirma no parágrafo final, que a terapêutica analítica cria para o analista exigências que parecem contradizerem-se radicalmente, ao pedir que o psicanalista, com sua atenção flutuante, dê livre curso às suas associações e às suas fantasias, deixando falar o seu próprio inconsciente, que, seguindo os ensinamentos de Freud, seria a única maneira de apreender intuitivamente as manifestações do inconsciente.

Por outro lado, o analista deve submeter o material fornecido tanto pelo analisando quanto por ele próprio - o analista - a um exame metódico e só este trabalho intelectual deve guiá-lo, posteriormente, em suas falas e em suas ações.

Entretanto, Ferenczi enfatiza a existência de uma oscilação permanente entre o livre jogo da imaginação e o exame crítico, o que exigiria do psicanalista o que não é exigido em nenhum outro domínio da terapêutica: uma liberdade e uma mobilidade dos investimentos psíquicos isentos de toda inibição.

Entendo que para Ferenczi este seria o paradoxo do modo do ser psicanalítico.

Aceitando este argumento, o livre jogo da imaginação, a apreensão intuitiva e a necessária mobilidade dos investimentos psíquicos seriam pré-requisitos básicos do psicanalista, configurando-se, nesse sentido, uma temporalidade para além de uma relação espaço/temporal marcada previamente. Para o bem ou para o mal, isto seria um privilégio da Psicanálise.

Lendo Foucault e a loucura como ausência de obra, um texto de Chaim Katz onde ele, concordando com Foucault e com Freud, afirma que a liberdade não marcaria a essência do humano, mas sim a partilha entre o que é e o que não é permitido, Katz vai afirmar que a marca essencial do humano não é a liberdade mas a sexualidade, que ao mesmo tempo em que obriga o homem, impõe-lhe limites necessários. Nesse sentido, “a sexualidade é, simultaneamente, sua insistência permanente e constante e as regras de sua limitação” (Katz).

Estaríamos falando de um processo que cria novas temporalidades.

A terapêutica psicanalítica, deste ponto de vista, pressupõe uma dinâmica que coloca em questão qualquer saber definitivo sobre o outro e sobre a sua história – esta permanentemente recriada – por conta da flutuação e tensão entre os elementos que se configuram e se estabelecem nessa relações de forças e de poder, que se encontram e se modificam nesses encontros; mudam sua configuração e forma; mudam suas intensidades que dependem dessas mudanças para que se configurem em novas forças. Embora o encontro possa ser previsível a resultante dele nunca o é.

Poderíamos pensar então que, de um ponto de vista específico, os ditos “novos processos de subjetivação”, “os novos saberes de ponta” e as “novas formas de resolução do mal-estar” seriam falsas questões para a psicanálise, já que o acompanhamento da dinâmica das motivações – a dinâmica da sexualidade - que as consubstanciam são a própria razão e essência da psicanálise? Ou seja, o que subjaz às formulações sobre “novos processos de subjetivação” seriam novas formas de expressão da sexualidade humana expansiva por natureza? Parece quase óbvio.

Segundo Derrida, em seu livro Estados d’alma da Psicanálise, é em “seu poder de por em crise que a psicanálise está ameaçada e entra, portanto, em sua própria crise.”

Neste ponto, cabe-nos indagar sobre a irrelevância trazida pelo questionamento sobre as novas formas do modo do ser psicanalítico”, já que não haveriam respostas que antecedessem os problemas antes deles acontecerem. Estaríamos dentro do paradoxo da nossa formulação e nesse sentido distantes da idéia de acontecimento.

Entendendo que um acontecimento não se prevê nem se planeja, mas, embaralha as categorias mais bem estabelecidas e as distribui instaurando novos possíveis, um acontecimento é o produto simultaneamente improvável e lógico de um verdadeiro encontro, que cria uma relação de proximidade inesperada conferindo às palavras e aos saberes ressonâncias ainda inominadas.

Muito próximo a Derrida, quando ele define uma tarefa ou um horizonte para a psicanálise situando-a no para além “do que ainda resta a pensar, a fazer, a viver, a sofrer, com ou sem gozo, mas sem álibi, para além mesmo do que se pode chamar horizonte ou tarefa, além do que continua não somente necessário, mas possível.” (p.82).

O possível no horizonte do pensar o impossível, mas sabendo-o inatingível.

Aqui cabe definir o que é psicanálise sem-álibi para Derrida, já que ele denomina sem-álibi como sinônimo de psicanálise quando diz: “A psicanálise para mim – se me permitem esta outra confidência – seria o outro nome do “sem-álibi”” (...) “alteridade imprevisível, a chegada do chegante.” (...) “uma tarefa amanhã para a psicanálise, para uma nova razão psicanalítica, (...) uma revolução que, como todas as revoluções, transigirá com o impossível, negociará o não-negociável tornado não-negociável, calculará com o incondicional, como tal, com a incondicionalidade inflexível do incondicional” (p.89).

O modo do ser psicanalítico talvez seja viver o paradoxo da Psicanálise que, na essência do seu postulado, denuncia toda a extensão do desamparo humano, mas com isso afirma um permanente movimento de recriar-se, lócus atemporal onde se situa sua dimensão estética, cuja ética é o reconhecimento do ter que lidar com o paradoxo de pensar o que ainda não existiu: o impensável do devir que no encontro terapêutico pode se fazer presente.

2 comentários:

Rogério Silva disse...

O que está em jogo, no que você chama de “novos processos de subjetivação”, não seria a construção da relação médico-paciente, pensando que se a clínica for singularizante no seu modo diagnóstico e terapêutico, não seria justamente a singularização que caracterizaria esse ato clínico?
A relação analítica sempre se marca pela singularidade, dai não ser possível a aplicação nos pacientes de um suposto saber universalizante sobre as patologias, pois colocaria a psicanálise como detentora de um poder que abre mão da experiência transferencial.
Contudo, levando em conta, por exemplo as dimensões erótica e mortífera que atravessam a experiência analítica, o que surge nesta experiência é o evidenciamento do discurso afetivo que põe em movimento a relação transferencial.

Rogério Silva disse...

O que coloquei afirmativamente no último parágrafo do comentário anterior é, na verdade uma pergunta. Não é assim?