13 maio 2007

A CIÊNCIA E A IGREJA AINDA EM DEBATE

Por Rogério Silva


Nos últimos dias a mídia tomou conta de todos os espaços possíveis para fazer a cobertura da visita do papa Bento 16 ao Brasil. O fato em si não mereceria grandes comentários não fosse o seu aspecto ”over” que ela dá aos eventos.


É claro que, em se tratando do maior país católico do mundo, o que o papa disser aqui terá uma grande repercussão no resto do mundo. Fica parecendo que ele tem como missão “reinventar” o cristianismo, como se fosse o imperador romano Constantino e o verdadeiro responsável pela cristianização do mundo, no século XXI. O “Constantino” da modernidade tem que se haver com algumas questões que são da própria modernidade e que ainda não se tem meios para uma solução concreta, como o aquecimento global, por exemplo.


Para a Igreja Católica a canonização de um santo brasileiro neste momento, frei Galvão, é muito conveniente para a confirmação do cristianismo no mundo. Os outros aspectos como a castidade (fora e/ou dentro do casamento), a virgindade, o uso da camisinha e outros métodos anti-conceptivos (à exceção do uso da tabela do ciclo menstrual), e etc..., ficam parecendo café-pequeno se levamos em conta que o catolicismo é a única religião onde o chefe da igreja é também o chefe de estado. Se por um lado essas questões servem apenas como combustíveis para os debates mantendo viva a fé cristã, por outro lado; o aborto, a eutanásia, o criacionismo e a utilização de células-tronco, por exemplo, colocam a igreja em confronto com a ciência.


Na última sexta-feira, eu tomei um táxi e durante o curto percurso ouvia-se no rádio a voz de um repórter dizendo que as pesquisas mostravam que no Brasil, a justiça foi feita para beneficiar a elite onde os ricos recebiam afagos e os pobres paulada. Logo em seguida, ele citou a “feliz” visita papal ao Brasil e acrescentou que embora o presidente Lula, na última segunda, declarasse que o aborto é uma questão de saúde pública, o Ministro da Saúde foi recomendado a não tocar mais no assunto, o que fez com que o nosso repórter concluísse: “felizmente a lei do aborto não sairá do papel”.


É sabido que o Brasil é o maior país católico do mundo? É. É sabido que é o país aonde a maioria dos fiéis não segue à risca os preceitos da Santa Madre Igreja? É. Deveria ser sabido também que muitas mulheres, católicas ou não, ricas ou pobres, cultas ou não, escolhem o aborto como forma de interrupção de uma gestação indesejada. A diferença é que as mulheres que têm algum poder aquisitivo, internam-se em bons hospitais que agem na clandestinidade e se submetem a intervenções cirúrgicas com titulações que têm como finalidade encobrir o aborto porque é considerado prática ilegal da medicina. Essas cirurgias, não costumam ser baratas, por isso mesmo excluem a maioria das mulheres que poderiam ser atendidas gratuitamente pelo SUS. Muitas delas, às vezes por um dinheiro barato, caem nas mãos de curandeiros ou curiosos, que quando sobrevivem carregam seqüelas para o resto da vida. É!... Parece que o nosso bravo repórter, ou se esqueceu do que falou anteriormente, ou desconhece as questões sociais do país em que vive!


Mais uma vez prevalecerá a hipocrisia.


Contudo, o que faz do aborto uma questão de saúde pública, não é torná-lo mais um método anti-conseptivo, mas dar oportunidade a quem não tem acesso aos hospitais e/ou casas de saúde particulares.



O filósofo francês Jacques Bouveresse, professor do Collège de France, empreende em seu novo livro "Peut-On Ne Pas Croire? Sur la Vérité, la Croyance et la Foi" [Podemos Não Crer? Sobre a Verdade, a Crença e a Fé, ed. Agone, 24 euros, R$ 67] uma discussão filosófica em torno da fé, do antigo antagonismo entre fé e ciência e do pretenso retorno da religiosidade.


Serve-se de autores como Nietzsche, Renan, James, Bertrand Russel, Wittgenstein e Freud, entre outros que se interessaram pelo problema da fé e da religião.


Em entrevista exclusiva ao caderno mais! da Folha de S. Paulo, Bouveresse admite que "existe um declínio da fé religiosa, que não é incompatível com um recrudescimento da religião, se admitimos que o que é importante na religião não é a crença, mas a experiência religiosa".


Para o historiador da ciência Ronald Numbers, foi a escola básica a principal frente de uma guerra global: a das visões de mundo evolucionista e criacionista. A teoria evolucionista, herdeira do cientista britânico Charles Darwin (1809-82), carrega o estandarte da ciência estabelecida; enquanto que a teoria criacionista, de tradição religiosa, reage no campo político e cultural para retomar o imaginário popular.



Esse conflito não deriva de uma divisão dentro da comunidade científica, mas de pressões políticas das instituições religiosas e científicas.


Achar que os estudos sobre o genoma podem ditar as teorias que serão privilegiadas nos próximos anos, seria o mesmo que imaginar que o homem, a curto prazo, poderia impedir o aquecimento global.


Supondo que se confirme que não há grande diferença genética entre macacos e humanos, os evolucionistas dirão: "É claro, nós saímos dos macacos". Mas os criacionistas dirão: "Não admira, é o mesmo criador".

Como um grande marco na história do Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta corte do Brasil realizou, pela primeira vez, uma audiência pública, com o objetivo de ouvir cientistas sobre a lei que autoriza a realização no país de pesquisa com células-tronco embrionárias. Também pudera. É a aposta de investigadores do mundo inteiro para a cura de várias doenças ainda incuráveis, como mal de Parkinson, diabetes, doenças neuromusculares e secção da medula espinhal por acidentes e armas de fogo.


A avançada lei foi aprovada pelo Congresso Nacional por um placar estrondoso. O presidente Lula fez o mesmo. Rapidamente a sancionou. Só que ela parou no STF porque o subprocurador-geral da República, Cláudio Fonteles, alegou que é inconstitucional. Questionado sobre se sua ação não teria motivação religiosa, o franciscano Fonteles acusou a geneticista, professora e cientista Mayana Zatz de viés judaico. Para Fonteles, a doutora Mayana Zatz, tem uma ótica religiosa, na medida em que ela é judia e não nega o fato. Para a religião judaica, a vida começa com o nascimento do ser vivo (vide postagem anterior).


Marcelo Gleiser argumenta: que fim mais digno pode ter um embrião condenado à destruição do que participar de uma pesquisa que tem o potencial de salvar milhões de pessoas? A escolha parece semelhante, ao menos em parte, à dos que doam seus órgãos para transplantes. Ao menos partes de seus corpos poderão ajudar aqueles em necessidade, em vez de apodrecerem sob a terra ou de serem cremadas.


A questão do uso de embriões decretados inviáveis para reprodução na pesquisa médica deve ser separada da questão religiosa. A missão da ciência é aliviar o sofrimento humano. A da religião também. A única inconstitucionalidade aqui é ir contra os votos dos representantes do povo e impedir que essa missão seja cumprida.


Pelo visto este debate ainda vai muito longe.

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