Por Márcia Arán
Nas diversas teorias que abordam esta questão parece haver um aspecto consensual: o de que na transexualidade haveria uma incoerência entre sexo e gênero. O discurso atual sobre o transexualismo na sexologia, na psiquiatria e em parte na psicanálise faz desta experiência uma patologia - um "transtorno de identidade" — dada a não-conformidade entre sexo biológico e gênero. Por outro lado, ele também pode ser considerado uma psicose devido à recusa da diferença sexual — leia-se, da castração dita simbólica. Nota-se que nestas teorias, o que define o diagnóstico de transexualismo é uma concepção normativa seja dos sistemas de sexo-gênero, seja do dispositivo "diferença sexual". Ambas estão fundadas numa matriz binária heterossexual que se converte em sistema regulador da sexualidade e da subjetividade.
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Antes, convivíamos mais livremente com a possibilidade da mistura dos sexos. Somente a partir do século XVII é que as teorias biológicas da sexualidade e as condições jurídicas impostas aos indivíduos conduziram pouco a pouco à refutação da idéia da mistura de dois sexos em um só corpo, e restringiram "a livre escolha dos indivíduos incertos" (FOUCAULT, 1993, p.116). O dispositivo de poder instaurou a necessidade de saber por meio da medicina qual o sexo determinado pela natureza e, por conseqüência, aquele que a justiça exige e reconhece. Assim, ser "sexuado" é estar submetido a um conjunto de regulações sociais, as quais constituem uma norma que, ao mesmo tempo em que norteia uma inteligibilidade e uma coerência entre sexo, gênero, prazeres e desejos, funciona como um princípio hermenêutico de auto-interpretação (BUTLER, 2003, p.142). Neste sentido, "o verdadeiro sexo" é o efeito da naturalização de uma norma materializada.
Neste trabalho a autora pretende analisar o discurso sobre a transexualidade na psiquiatria e na psicanálise. Considerado como uma patologia o transsexualismo pode ser definido como um "transtorno de identidade", dada a não-conformidade entre sexo e gênero. Também podendo ser considerado uma psicose graças à suposta recusa da diferença sexual, numa concepção normativa dos sistemas de sexo-gênero, discutem-se as possibilidades de uma reflexão crítica na psicanálise que permita o descolamento da transexualidade deste território normativo da patologização.
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