08 outubro 2006

SÍNDROME DE ESTOCOLMO, OU QUANDO A VIDA IMITA A ARTE

Por Rogério Silva

Na tentativa de responder ao João Carlos, que participa comigo do blog Roda de Ciências, me vi provocado (no sentido de pro+vocare=chamar a si), a descrever o que penso sobre a Síndrome de Estocolmo.

Síndrome de Estocolmo é uma resposta psíquica encontrada, em alguns casos, em reféns que demonstram lealdade ao seu raptor, ou opressor. A mente fabrica uma estratégia ilusória para proteger a psique da vítima. A identificação afetiva e emocional com o seqüestrador acontece para proporcionar afastamento emocional da realidade perigosa e violenta à qual à pessoa está sendo submetida. Contudo, a vítima não se torna totalmente alheia à sua própria situação, parte de sua mente conserva-se alerta ao perigo e é isso que faz com que a maioria das vítimas tente escapar do seqüestrador em algum momento, mesmo em casos de cativeiro prolongado.

O assalto, que ensejou o termo, começou no dia 23 de agosto de 1973, quando Erik "Janne" Olsson, que tinha liberdade condicional entrou no Kreditbanken em Norrmalmstorg, no centro de Estocolmo. Ao anunciar o assalto, a polícia foi chamada e imediatamente dois policiais entraram no banco. Janne abriu fogo ferindo um deles e fazendo o outro refém.

Janne tomou quatro pessoas como reféns e introduziu na história seu amigo Clark Olofsson, que foi trazido com a permissão do governo, sendo estabelecida uma comunicação entre os criminosos e os negociadores da polícia. Uma das reféns, Kristin Ehnemark, disse que tinha mais confiança nos bandidos, pois temia que a polícia pudesse causar problemas por causa dos seus métodos truculentos.

No dia 28 de agosto daquele ano, (há exatos 33 anos, data do episódio Natascha, apresentado mais adiante) o gás foi utilizado e depois de meia hora os bandidos se renderam sem ninguém sair ferido.

Ambos os bandidos foram condenados à prisão, mas Clark Olofsson alegou que não era cúmplice, tinha sido chamado ao local e estava apenas ajudando a polícia a manter Janne calmo. Finalmente foi liberado e acabou amigo pessoal de uma das vítimas do seqüestro, Kristin Ehnemark. Dizem que até hoje eles ainda se encontram e suas famílias ficaram amigas.

Janne, porém foi sentenciado a 10 anos de prisão e recebeu muitas cartas de mulheres atraídas por ele. Acabou casando com uma delas, não uma das reféns é claro.

Os reféns sempre repetiram que tinham mais medo da polícia do que dos bandidos, pelos quais manifestavam uma clara simpatia, o que levou o psiquiatra e criminologista Nils Bejerot a cunhar o termo Síndrome de Estocolmo .

O caso mais famoso e mais característico do quadro da doença, contudo é o de Patricia Campbell Hearst, a Pattyl Hearst, que desenvolveu a doença em 1974, após ter sido seqüestrada durante um assalto o banco realizado pela organização militar politicamente engajada (o Exército de Libertação Simbionesa). Depois de libertada do cativeiro, Patty juntou-se aos seus captores, indo viver com eles e sendo cúmplice em assalto a bancos.

A síndrome pode se desenvolver em vítimas de seqüestro, em cenários de guerra, sobreviventes de campos de concentração, pessoas que são submetidas à prisão domiciliar por familiares e também em vítimas de abusos pessoais, como mulheres e crianças submetidas à violência doméstica e familiar. Não são todas as vítimas que desenvolvem traumas após o término da situação.

A Síndrome de Estocolmo reaparece, mundialmente famosa, quando a jovem austríaca Natascha Kampusch, 18 anos, seqüestrada durante oito anos consegue fugir do seu cativeiro.

A história recente é mundial e foi amplamente divulgada pela imprensa. Ela disse precisar de tempo para contar sua história. "Dêem-me tempo para que eu mesma possa contar minha história", disse Natascha em uma declaração lida por seu psiquiatra.

O caso de Natascha até parece tirado do filme "O Colecionador" (The collector, dirigido por Willian Wyler,1965), onde a história de um rapaz solitário, em sua obsessão por uma mulher, aprisiona-a no porão de sua casa. É na tentativa desse rapaz, colecionador de borboletas, criar um vínculo afetivo com a moça que se tem uma das maiores ilustrações sobre a deterioração de um relacionamento pela incapacidade de se conceber o Outro.

Freddy/"Franklin" (Terence Stamp) seqüestra Miranda Grey (Samantha Eggar) visando um "nobre" objetivo: demonstrar seu amor por ela e ser correspondido. Obviamente não terá sucesso, pois só o seqüestro em si será o primeiro de uma série de obstáculos à reciprocidade desejada por Freddy.

O problema de Freddy é justamente o confronto entre o que ele idealiza (sobretudo a sua concepção da mulher amada) e a realização daqueles ideais. Ele não compreende (ou até aceita como corretas) as inconseqüências de suas ações, e não percebe a destruição que provoca ao objeto amado.

A austríaca Natascha contou aos investigadores que teve "contato sexual" com seu seqüestrador, mas segundo a polícia, ainda não está claro se o contato sexual foi consensual ou forçado. Um policial disse que a jovem chorou ao saber que seu seqüestrador se suicidara.

Já o caso Pattyl Hearst nos lembra mais um outro filme, “O Porteiro da Noite” (Il Portiere di notte, Itália, EUA, Liliana Cavani, 1974). Neste filme, treze anos após o término da 2º Grande Guerra, acontece uma história cheia de suspense e muito erotismo quando Lucia (Charlotte Rampling), uma sobrevivente de um campo de concentração encontra Maximilian (Dirk Bogarde), um ex-oficial torturador e amante, que agora é porteiro em um hotel em Viena. Após encontro acidental, eles passam a reviver aquela estranha relação entre torturador e sua vítima que se transforma em uma ardente paixão. Em vez de denunciá-lo, envolve-se com ele e inicia um caso de amor e sadomasoquismo. A medíocre diretora italiana Liliana Cavani conseguiu sucesso com essa obra sensacionalista e que explicitamente defende a perseguição dos judeus.

A vida imita a arte?

Freud tem o artigo “Uma criança é espancada” que, em alguns aspectos, encontramos semelhanças ao que aqui está exposto, mas isto eu gostaria de desenvolver em outra postagem

2 comentários:

João Carlos disse...

Em primeiro lugar, agradeço sua atenção. Eu estou lidando, presentemente, com uma das variantes dessa Síndrome (descrita em seu artigo na frase: "...também em vítimas de abusos pessoais, como mulheres e crianças submetidas à violência doméstica e familiar."

Já estão sob a orientação de psicólogos, mas um dos principais problemas parece ser que a vítima não consegue identificar o agressor como tal, principalmente se não foi a vítima direta da violência doméstica.

A minha "tática" tem sido evitar a confrontação das vítimas com o fato e deixar nas mãos mais hábeis dos psicólogos a identificação e eventual tratamento do problema, apesar de ter removido a presença do agressor (que - no entanto - permanece em convívio aproximado com as "vítimas indiretas").

Anônimo disse...

Olá Rogério! Fiquei mto feliz em encontrar esta sua página com o asusnto... estou pesquisando esta síndrome através da abordagem psicanalítica e gostaria muito de obter dicas suas a respeito de outras páginas na net, textos ou livros! Ficarei muitíssimo agradecida!
A indicaçaos dos flmes foi fantastica..espero encontra-los!
Meu email é sophiadelis@gmail.com...
se pudermos nos comunicar, será um prazer!
Abraços
Sophia