27 setembro 2006

EXPERIÊNCIA E CONSTRUTIVIDADE EM WALTER BENJAMIN

Por Rogério Silva

Walter Benjamin parece estar falando sempre de dois tempos. Um tempo perdido de criação e um tempo posterior de recriação. O primeiro tempo é o tempo da experiência. Ele fala dessa experiência como uma máscara, a máscara do adulto que é inexpressiva, impenetrável, sempre igual, mas uma ilusão. Questiona a vida absurda e inconsolável para o filisteu que só conhece a experiência e nada além dela, é privado, portanto de consolo e de espírito.

Em “Velhos brinquedos” (Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação; Summus Editorial) ele apresenta o Märkische Museum (Museu distrital de Brademburgo), onde se encontram peças construídas desde o século XVIII, mas focaliza principalmente os brinquedos. São produções individuais, bonecas em tamanho natural, trenzinhos elétricos quilométricos, cavalos de madeira dentre outros.

Para ele, hoje os brinquedos antigos tornaram-se significativos para o folclore, para a psicanálise, para a história da arte e para outras manifestações da atualidade.

Neste texto, o que mais lhe chamou a atenção foi o material apresentado por Wilke, um professor surdo-mudo que elaborou junto com crianças, também surdo-mudas. A drasticidade apresentada é tão angustiante, que uma pessoa normal poderia perder a voz e a audição por algumas horas de tão aterrorizadas.

A criança, num mundo de gigantes cria para si, brincando o próprio mundo e o adulto diante de uma realidade ameaçadora, tenta libertar-se dos horrores do mundo através de miniaturas. “A banalização de uma existência insuportável contribuiu consideravelmente para o crescente interesse que jogos e brinquedos infantis passaram a despertar após o final da guerra”.

Esse tempo de criação parece ser um tempo primitivo, o tempo do narrador, do artesanato. É a passagem do artesanato para a produção em série, que muda a forma da narrativa e faz surgir o romance.

O romance sai da experiência individual (Erlebnis), não compartilhada, para a coletiva (Erfahrung), onde o leitor persegue o mesmo sentido dado pelo autor. É o que acontece nas novelas da TV, por exemplo.

Para Benjamin a experiência se perde na modernidade pelo excesso da reprodutividade, fazendo surgir figuras alegóricas.

Na Wikipédia uma alegoria (do grego αλλος, allos, "outro", e αγορευειν, agoreuein, "falar em público") é uma representação figurativa que transmite um significado diferente do literal. É geralmente tratada como uma figura da retórica, mas uma alegoria não precisa ser expressa na linguagem: pode se dirigir aos olhos, e com freqüência se encontra na pintura, escultura ou outra forma de arte mimética.

Assim surge em Benjamim a necessidade de compreender um procedimento estético de sua época quando escreve As Passagens.Tal como uma obra arquitetônica, "refletindo" (no pensamento) a estrutura arquitetônica da cidade de Paris e das galerias francesas do século XIX, ela é construída a partir de um método a que Benjamin chama o método da montagem, Passagens pretende-se como uma análise dos elementos fundamentais que constituem a essência da modernidade, privilegiando-se, sobretudo, o caso paradigmático (até mesmo para a compreensão da alegoria) de Baudelaire e da sua lírica, tomando fundamentalmente a sua obra As Flores do Mal.

A cidade como elemento matricial da poesia lírica, apresenta o flâneur e a flânerie.

Seria impossível abordar a obra de Baudelaire, e Walter Benjamin compreende isso, sem analisar os conceitos de flâneur e de flânerie. É através do olhar do flâneur que a cidade de Paris é transfigurada poeticamente por Baudelaire.

Num belo trabalho, Jean Luiz Neves Abreu propõe uma literatura brasileira na perspectiva benjaminiana para dizer que se a cidade é a paisagem do flâneur, a rua é sua moradia. É ela que “conduz o flanador a um tempo desaparecido”. Como uma figura alegórica, não se alimenta apenas daquilo que lhe atinge o olhar, “com freqüência também se apossa do simples saber, ou seja, de dados mortos”. Estas considerações extraídas da análise que Benjamin faz da flânerie, aplicam-se à Memórias da rua do Ouvidor de Joaquim Manoel de Macedo, onde o autor é conduzido ao passado pelas memórias das ruas. Embora ligado ao romance folhetinesco e sua intenção seja de falar do ambiente e dos costumes da corte no Brasil, Macedo deve ser considerado como um cronista da cidade; crônica alimentada da ficção e da história.

João do Rio (Paulo Barreto) com os olhos do flâneur fixará tanto o espetáculo da modernização quanto o que a cidade procurava esconder. No início do século XX, flanando (de flâneur) pela cidade, o autor mostrava as transformações pelas quais a cidade passava e os signos da modernidade: “E subitamente, é a era do automóvel. O monstro transformador irrompeu, bufando, por entre os escombros da cidade velha”. Mas ao percorrer os diferentes espaços da cidade mostrava também o que a cidade destruía. O Rio das vitrines e dos automóveis era também o dos marginais, dos boêmios, dos fumadores de ópio e dos miseráveis. João do rio revela assim em suas crônicas o outro lado do cartão-postal. Em Pequenas profissões, surgem na cena da modernidade “pobres seres tristes [que] vivem do cisco, do que cai nas sarjetas, dos ratos, dos magros gatos dos telhados, [...] os que apanham o inútil para viver”.

Rubem Fonseca sem objetivo de tornar seu livro um guia exótico para estrangeiros e assumindo a figura do trapeiro, o que o flâneur registra são as formas como vivem as prostitutas, os grafiteiros, os camelôs e os desabrigados. Quando coloca em cena o que a cidade exclui, Rubem Fonseca se aproxima da tradição da crônica de João do Rio.

O tipo do flâneur também cumpre o papel, na medida que sua ociosidade é um protesto contra a divisão do trabalho. Em João do Rio podemos dizer que é essa flânerie que cumpre o papel heróico na medida em que encena uma negação ao mercado:

Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar. Ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é perambular com inteligência. O inútil é artístico. Daí o desocupado flâneur ter sempre na mente mil coisas necessárias, imprescindíveis, que podem ficar eternamente adiadas.

Jean Luiz conclui que os autores apresentados viveram tanto o processo de modernização das cidades, quanto suas obras tiveram que se adequar aos novos ritmos e necessidades da produção literária. Daí situar o olhar flâneur dos autores produzindo reflexões que colocaram a cidade e a modernidade em cena. A própria literatura se torna narrativa protestando contra o esquecimento da cidade e revelando as contradições que se produziram pelo processo modernizador.

7 comentários:

Anônimo disse...

Oi Tio, parabéns, seu blog tá bem legal. Bons textos. Deixo meu abraço.
Dani

Rogério Silva disse...

Oi Dani
Obrigado pela participação. Os comentarios são sempre bem vindos e afinal o Blog vive disso mesmo. Textos e comentários
abs rogerio

João Carlos disse...

Talvez um dos maiores "flaneurs" tenha sido Henry Cartier Bresson, com sua máquina fotográfica...

João Carlos disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
João Carlos disse...

Postei, igualmente, um comentário diverso no "Roda de Ciência", para o qual peço sua atenção.

Aldemar Norek disse...

Bacana este blog. Parei aqui depois de uma surfada no google sobre Benjamin e as cidades, e gostei do conteúdo, das abordagens.
grande abraço

Márcio Reis disse...

quando li seu texto (muito bom, por sinal) lembrei logo do homem na multidão, de Poe...
parabéns pelo blog e pelo belo texto. me foi útil e agradável.